Caros Leitores,
Observem uma maneira eficiente e elegante de se mostrar a importância de algo, utilizando-se apenas de negativas.
Ótima Leitura e Reflexão!
Prof. Paulo Jorge
Ler devia ser proibido!
Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto
perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode
ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder
incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria
feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria
mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afinco, sem
procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.
Sem ler, o homem jamais saberia a
extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o
conhecer.
Mas para que conhecer se, na maior parte dos
casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer
o que dele esperam e nada mais?
Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer
com que o homem crie atalhos para caminhos que devem, necessariamente, ser
longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar
o ser humano além do que lhe é devido.
Além disso, os livros estimulam o sonho, a
imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem
enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida
é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há
horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas
jamais percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos
impede de aceitar nossas realidades cruas.
Ler pode ser um problema, pode gerar seres
humanos conscientes demais dos seus direitos políticos em um mundo
administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma
verossimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os
seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem
suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os
instrumentos de conquista de sua liberdade.
É preciso compreender que ler para se
enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio concedido
apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais.
Seja em filas, em metrôs, ou no silêncio da alcova... Ler deve ser coisa rara,
não para qualquer um.
Afinal de contas, a leitura é um poder, e o
poder é para poucos.
Para
obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para
executar ordens, a palavra é inútil.
Além disso, a leitura promove a comunicação de dores, alegrias, tantos outros sentimentos... A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida.
Ler pode tornar o homem perigosamente humano.
Guiomar de Grammon. Texto adaptado.