domingo, 31 de julho de 2016

 Foto do perfil de Dayana Pazó Cerdeira

Soteropolitana desde sempre - como ela se autodefine, Dayana Pazó Cerdeira nasceu em 19 de julho de 1998, filha de Daniela e Bento e neta de avós paternos espanhóis. Sua maior inspiração é o poeta o português Fernando Pessoa. Começou a escrever desde cedo, aos treze anos. Seu avô se foi e a inspiração veio dele, como uma espécie de troca, reflete com poesia. 

Para a encenação de "O Pagador de Promessas", de Dias Gomes, em julho / 2016, no Colégio Estadual Raphael Serravalle, Salvador / Bahia, escola na qual cursa o 3º. ano, do Ensino Médio, Turma D, no Turno Vespertino, Dayana compôs o poema, descrito, a seguir.

Belo e provocador. Simples e humano.

De arrepiar!

Poema

Iansã...
Santa Bárbara...
Somos iguais.

Eu, divindade africana
Eu, santa católica
Com respeito, irmã, te peço;
Me consola.
Fico triste com tamanha confusão.

Respeito mútuo é belo.
Respeito mútuo é raro.
Que a história de Zé do Burro
sirva de exemplo.
Aceite a crença do seu amigo ao lado!

Amem uns aos outros,
amém?
Mas não force nada.
Eparrêi, minha mãe!
Com as diferenças nos tornamos
para sempre iguais!

Sofremos, sim.
Há sempre aquele que ri de mim.
Há sempre aquele que me esculacha.

Digam não à intolerância!
Digam não a qualquer forma de preconceito!
Unam-se!

Se eu creio num deus
ou em vários;
Se rezo aos domingos
ou aos sábados;
Se sou preta
ou branca
Trago comigo
parte de uma cultura
e mereço, sim, respeito.

Pois minha religião, irmão,
está estampada no meu peito.

Viva à nossa diversidade!

domingo, 24 de julho de 2016

 

O poeta Vitório Valentino Assis Foscarini tem apenas 17 anos, nasceu em Simões Filho e mora em Salvador, cidades da Bahia. Curioso e criativo, foi exposto à arte, principalmente à música, muito cedo. Aos 10 anos de idade, ganhou seu primeiro violão, já aos 13, começou a escrever somente letras de músicas, por preguiça de musicar o que escrevia. Além de poemas, já fez contos, crônicas, ensaios e até uma peça de teatro.

Segundo ele, sua inspiração geralmente é o amor. Puro e simples. Drummond e Vinicius de Moraes são suas principais referências nacionais, já as internacionais, Edgar Alan Poe e Bukowski dão norte à sua poesia. Atualmente, possui 40 poemas registrados e, em breve, pretende lançar um livro de forma independente.

O poema que você lerá, a seguir, foi composto especialmente, por ele, para a encenação de "O Cortiço", de Aluísio de Azevedo, em julho / 2016, no Colégio Estadual Raphael Serravalle, Salvador / Bahia, escola na qual Vitório cursa o 3º. ano, do Ensino Médio, Turma C, no Turno Vespertino.

Confira o fazer poético de Vitório Valentino!


João Romão

Grande é minha gratidão
Pela generosidade do meu patrão
Pois após sua morte
Recebi com toda sorte
Seu mercadinho em minha mão

Trabalhei por muito tempo
Sob chuva, sol e no relento
Conheci então a Bertoleza
Que muito me ajudou na dureza
Mas quando veio a riqueza
Não me servia como princesa

Era um homem muito focado
Tinha objetivos claros
E a eles era dedicado
Maldita inveja que os tornaram opacos

O Cortiço é minha obra prima
Lá moravam as mais diversas famílias
Ele é o orgulho da minha vida
Começou pequeno e foi crescendo
Felicidades e tragédias aconteceram lá dentro

Muito sou arrependido
Por tanto Bertoleza ter sofrido
Maldita ganância essa minha
Ao ponto de forjar sua alforria
E ser o assassino que a mataria

De que agora me adianta
Medalha, título, aliança
Se a dor da culpa é mais forte
Que a luz da esperança

Conquistei muito
Pra não ter nada
Por fora sou cheio
Dentro vazia a alma

Inveja e ambição
Me colocaram no chão
Meus valores agora
São itens em extinção

sexta-feira, 22 de julho de 2016

  Loucos e Santos
 
 
Escolho meus amigos não la pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
  Oscar Wilde

domingo, 17 de julho de 2016


                                                              
Ler devia ser proibido

A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido.

Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Don Quixote e Madame Bovary. O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram meteu-se pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e amores cortesãos.

Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.

Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais?

Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido.

Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas.

Não, não dêem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, pode levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não contem histórias, pode estimular uma curiosidade indesejável em seres que a vida destinou para a repetição e para o trabalho duro.

Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma verossimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade.

O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas lêem por razões utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos, manuais etc. Observem as filas, um dos pequenos cancros da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem magicamente transportados para outras dimensões, menos incômodas. E esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é mais subversivo do que a leitura?

É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em metrôs, ou no silêncio da alcova… Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um.

Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos.

Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para executar ordens, a palavra é inútil.

Além disso, a leitura promove a comunicação de dores, alegrias, tantos outros sentimentos… A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida.

Ler pode tornar o homem perigosamente humano. 

Guiomar de Grammont

quarta-feira, 13 de julho de 2016


www.visoesdevida-felipe.blogspot.com

A Ironia

Ironia é, segundo definição do Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda, um “modo de exprimir-se que consiste em dizer o contrário daquilo que se está pensando ou sentindo...”

Este recurso pode ser empregado em qualquer tipo de texto: carta, editorial, relato de entrevista, história em quadrinhos, roteiro de filme, propaganda, descrição de ambiente dentre outros. Nesta postagem, veremos uma carta-argumentativa. E como exercício, tente descobrir quem é o destinatário da carta do jornalista Clóvis Rossi.

Veja, a seguir, um bom exemplo de um texto elaborado com o recurso da ironia.

Ótima Leitura!

www.geradormemes.com

Petição ao presidente
                                                                                                                                       Clóvis Rossi

São Paulo – Caríssimo presidente, é com enorme constrangimento que lhe escrevo esta carta, a pedido de minha filha. Ela se entusiasmou com a informação de que o seu governo prepara-se para dar socorro financeiro a alguns bancos (sem falar na redução de impostos) e passou a achar que tem o mesmo direito.
      Alega que acabou de nascer seu segundo filho e que as despesas inevitáveis vão deixá-la “na maior dureza”. Tentei argumentar que esse linguajar é inadequado. Se ela ao menos dissesse que está passando por “uma crise de liquidez”, como certos bancos, seria mais facilmente entendida. Mas não adianta, presidente. O linguajar da moçada de hoje é esse mesmo.
      Também procurei demonstrar que o pedido dela é injusto. Afinal, ela é professora, profissão que, no Brasil, como o senhor sabe, goza de salários elevadíssimos e privilégios sem conta.
      Já os bancos, coitados, estão sofrendo muito. Só os nove maiores grupos privados tiveram, em 1993, um lucro líquido de apenas US$ 1 bilhão. Como conseguem fazer para sobreviver é algo que não entendo.
      Mas minha filha definitivamente não tem a mesma consciência social e argumentou: “Se os bancos podem, eu também posso. Afinal, a lei é igual para todos”.
      Não sei onde ela aprendeu conceitos tão subversivos, meu Deus. Deve ter sido algum professor de esquerda, desses empenhados em destruir os pilares da organização social e política brasileira.
      Só falta agora essa menina pretender passar pela alfândega sem revisão de bagagem de praxe, justo no seu governo, presidente, que, nesse ponto, é da maior inflexibilidade, não é?
      Por mais que argumentasse, não consegui demovê-la. Por isso, estou sendo obrigado a enviar-lhe esta carta. Só o faço porque tenho certeza de que o senhor está em posição de me entender. Sabe, melhor do que ninguém, que coração de pai é como o seu governo em relação aos bancos: absolutamente incapaz de resistir ao menor pranto.
      Certo de sua compreensão, aguardo um socorro tão rápido quanto o que está para ser concedido aos bancos.
                                                                                                           (Folha de S. Paulo, 29/7/94)