segunda-feira, 30 de maio de 2016

Linguagem Formal & Informal


Segundo o Dicionário Houaiss on-line, Provérbio – adágio, dito popular – é uma frase curta, geralmente de origem popular, rítmica e / ou rimada, rica em imagens, que sintetiza um conceito a respeito da realidade ou uma regra social ou moral.

Encontrados em abundância em nossa cultura, os provérbios representam para muitos de nós – principalmente para aqueles com mais de trinta anos – um repertório amplo, rico e pedagógico que contribui para a nossa formação pessoal, familiar e social.

Vivíssimos em minha lembrança afetiva, os ditados populares chamavam-me à atenção, porque era impressionante a recorrência de seu uso, principalmente pelas mulheres de nossa comunidade, a extinta Buracão, situada no bairro da Federação, que sumiu do mapa, para dar lugar a um insólito e triste viaduto que liga – ou separa?! – o bairro do Rio Vermelho à av. Vasco da Gama, aqui, em Salvador.

Lembro-me, certa vez, de que uma das minhas irmãs começou a se interessar por um garoto que não lhe retribuía as atenções. Ao perceber a situação, minha mãe dizia: “Cuidado, minha filha. Quem muito se abaixa o melhor aparece.” Ou para momentos em que demorávamos nas casas dos vizinhos: "Boa romaria faz, quem em sua casa está em paz.".

Alias, tempos em que, sem direito à voz, as mulheres falavam por meio da Conotação, em um exercício comunicativo que incitava a nossa imaginação.
 


Millôr Fernandes, desenhista, humorista, tradutor, escritor e dramaturgo brasileiro, dentre muitas de suas criatividades, reescreveu alguns provérbios bastante conhecidos em nossa oralidade, utilizando a linguagem formal, o que resultou em um humor estranho e, ao mesmo tempo, refinado.

Veja:

Ex. 1: “Quando o sol está abaixo do horizonte, a totalidade dos animais domésticos da família dos felídeos é de cor mescla entre preto e branco.
R. À noite, todos os gatos são pardos.

Ex. 2: “A criatura canonizada que vive em nosso próprio lar não é capaz de produzir efeito extraordinário que vá contra as leis fundamentais da natureza.
R. Santo de casa não faz milagre.

Agora é com você. Tente descobrir, a seguir, quais provérbios Millôr transcreveu para a variante formal da Língua Portuguesa. As respostas, você encontrará no final desta página.

 

a- “De unidade de cereal em unidade de cereal, a ave de crista carnuda, asas curtas e largas, da família das galináceas, abarrota a bolsa que existe nessa espécie por uma dilatação do esôfago e na qual os alimentos permanecem algum tempo antes de passarem à moela.

b- “Substância inodora e incolor que já se foi não é mais capaz  de comunicar movimento ou ação ao engenho especial de triturar cereais.

c- “Aquele que se deixa prender sentimentalmente por pessoa destituída de dotes físicos de encanto ou graça, acha-a extraordinariamente dotada desses mesmos encantos que os outros lhe não veem.”

d- “O traje característico que usa não identifica fundamentalmente a pessoa que, por fanatismo, misticismo ou cálculo, se isola da sociedade, levando vida austera e desligada das coisas mundanas.

Abraços Fraternos!

Paulo Jorge

Respostas:
 
a- De grão em grão, a galinha enche o papo.
b- Águas passadas não movem moinhos.
c- Quem ama o feio bonito lhe parece.
d- O hábito não faz o monge.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

MALVADOS

Publicadas no jornal a Folha de S. Paulo e no site http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/cartum/cartunsdiariosas, as tirinhas Malvados são assinadas pelo quadrinista André Dahmer Pereira, nascido no Rio de Janeiro, em14 de setembro de 1974. Normalmente, suas tirinhas não seguem uma linha cronológica e têm como personagens dois seres indefinidos, que são costumeiramente comparados a girassóis, saindo daí o apelido deles: "As flores do mal".

A seguir, reproduzimos aquelas postadas no jornal e site nos dias 23, 24 e 25/05/2016 e que refletem o atual momento político brasileiro.

Reflita e não passe mal!




quinta-feira, 26 de maio de 2016


Ao longo da realização da Copa do Mundo de Futebol, no Brasil, postamos aqui cinco crônicas esportivas de renomados escritores brasileiros, dentre eles, Luis Fernando Veríssimo, escritor gaúcho que tem a Língua Portuguesa e a Gramática, como dois de seus temas prediletos. É incrível a recorrência delas em sua produção textual, principalmente nas crônicas literárias.

O texto, a seguir, é mais um de Veríssimo com essa temática. Como provocação, desafio você, Leitor (a), tentar descobrir, nos dois últimos parágrafos, quem Veríssimo compara com a Gramática.

Aquilo que poderia resultar em algo vulgar nas mãos de outros; sob a pena de Luis Fernando Veríssimo, ganha humor, inteligência e refinamento.

Ótima Leitura!
 

Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha estiveram em minha casa numa mesma missão designada por seu professor de Português: saber se eu considerava o estudo da Gramática indispensável para aprender e usar a nossa ou qualquer outra língua. Cada grupo portava seu gravador cassete, certamente o instrumento vital da pedagogia moderna, e andava arrecadando opiniões. Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava diariamente com suas afrontas às leis da língua, e aproveitava aquela oportunidade para me desmascarar. Já estava até preparando, às pressas, minha defesa (“Culpa da revisão!”). Mas os alunos desfizeram o equívoco antes que ele se criasse. Eles mesmos tinham escolhido os nomes a serem entrevistados. Vocês têm certeza de que não pegaram o Veríssimo errado? Não. Então vamos em frente.

Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer “escrever claro” não é certo, mas é claro, certo?  O importante é comunicar. (E quando possível surpreender, iluminar, divertir, comover... Mas aí entramos na área do talento, que também não tem nada a ver com a Gramática). A Gramática é o esqueleto da língua. Só predomina nas línguas mortas, e aí de interesse restrito a necrólogos e professores de Latim, gente em geral pouco comunicativa. Aquela sombria gravidade que a gente nota nas fotografias em grupo dos membros da Academia Brasileira de Letras é de reprovação pelo Português ainda estar vivo. Eles só estão esperando, fardados, que o Português morra para poderem carregar o caixão e escrever sua autópsia definitiva. É o esqueleto que nos traz de pé, certo, mas ele não informa nada, como a Gramática é a estrutura da língua, mas sozinha não diz nada, não tem futuro. As múmias conversam entre si em Gramática pura.

Claro que eu não disse tudo isso para meus entrevistadores. E adverti que minha implicância com a gramática na certa se devia à minha pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português. Mas – isto eu disse – vejam vocês, a intimidade com a Gramática é tão dispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria. Sou um gigolô das palavras. Vivo às suas custas. E tenho com elas a exemplar conduta de um cáften profissional. Abuso delas. Só uso as que eu conheço, as desconhecidas são perigosas e potencialmente traiçoeiras. Exijo submissão. Não raro, peço delas reflexões inomináveis para satisfazer um gesto passageiro. Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por elas. Não me meto na sua vida particular. Não me interessa seu passado, suas origens, sua família nem o que outros já fizeram com elas. Se bem que não tenha também o mínimo escrúpulo em roubá-las de outro, quando acho que vou ganhar com isto. Algumas são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito.

Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria sua patroa! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção de lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda.

Abraços Fraternos,

Paulo Jorge

domingo, 15 de maio de 2016


Difunde-se com frequência, pelo menos no Brasil, a crença de que a Língua Portuguesa é uma das mais difíceis do mundo, inclusive para nós, brasileiros. Daí a visão de que a dificuldade no manuseio pelos seus usuários estaria ligada à estrutura da nossa língua não só na oralidade mas também na escrita da variante padrão. É um equívoco. Todas as línguas apresentam suas especificidades que resultam em dificuldades para o falante e o produtor textual, em menor ou maior grau.

A polissemia, por exemplo, representa um recurso linguístico recorrente em várias línguas e demonstra a elasticidade que uma palavra ou expressão pode conter em sua semântica alimentada por seus usuários.
No texto desta semana, trazemos uma história que brinca com os sentidos da palavra “meia”, segundo usuários brasileiro e africano.

Ótima leitura!  


 Meia, Meia, Meia, Meia ou Meia?

Na recepção dum salão de convenções, em Fortaleza...
– Por favor, gostaria de fazer minha inscrição para o Congresso.
– Pelo seu sotaque vejo que o senhor não é brasileiro. O senhor é de onde?
– Sou de Maputo, Moçambique.
– Da África, né?
– Sim, sim, da África.
– Aqui está cheio de africanos, vindos de toda parte do mundo. O mundo está cheio de africanos.
– É verdade. Mas se pensar bem, veremos que todos somos africanos, pois a África é o berço antropológico da humanidade...
– Pronto, tem uma palestra agora na sala meia oito.
– Desculpe, qual sala?
– Meia oito.
– Podes escrever?
– Não sabe o que é meia oito? Sessenta e oito, assim, veja: 68.
– Ah, entendi, “meia” é “seis”.
– Isso mesmo, meia é seis. Mas não vá embora, só mais uma informação: A organização do Congresso está cobrando uma pequena taxa para quem quiser ficar com o material: DVD, apostilas, etc., gostaria de encomendar?
– Quanto tenho que pagar?
– Dez reais. Mas estrangeiros e estudantes pagam “meia”.
– Huummm! que bom. Ai está: “seis” reais.
– Não, o senhor paga meia. Só cinco, entende?
– Pago meia? Só cinco? “Meia” é “cinco”?
– Isso, meia é cinco.
– Tá bom, “meia” é “cinco”.
– Cuidado para não se atrasar, a palestra começa às nove e meia.
– Então já começou há quinze minutos, são nove e vinte.
– Não, ainda faltam dez minutos. Como falei, só começa às nove e meia.
– Pensei que fosse as 9h05, pois “meia” não é “cinco”? Você pode escrever aqui a hora que começa?
– Nove e meia, assim, veja: 9h30
– Ah, entendi, “meia” é “meia”.
– Isso, mesmo, nove e trinta. Mais uma coisa senhor, tenho aqui um fôlder de um hotel que está fazendo um preço especial para os congressistas, o senhor já está hospedado?
– Sim, já estou na casa de um amigo.
– Em que bairro?
– No Trinta Bocas.
– Trinta bocas? Não existe esse bairro em Fortaleza, não seria no Seis Bocas?
– Isso mesmo, no bairro “Meia” Boca.
– Não é meia boca, é um bairro nobre.
– Então deve ser “cinco” bocas.
– Não, Seis Bocas, entende, Seis Bocas. Chamam assim porque há um encontro de seis ruas, por isso seis bocas. Entendeu?
– Acabou?
– Não. Senhor é proibido entrar no evento de sandálias. Coloque uma meia e um sapato...
O africano enfartou...

Abraços Fraternos,

Paulo Jorge

domingo, 8 de maio de 2016

 Ao Leitor Atento - II

Na última postagem, vimos um texto que possui uma característica rara na Língua Portuguesa, ou seja, a inexistência de palavras construídas com a utilização da letra A, certamente o fonema mais importante da língua, pelo fato de ele ser apenas vogal e, diferentemente das outras semivogais, nunca uma semivogal nas construções silábicas. E como as consoantes e as semivogais não formam núcleo da sílaba, então o fonema A é o mais importante da Língua Portuguesa. Daí o inusitado daquela produção textual.

Hoje, trazemos o texto Não despertemos o leitor, de Mário Quintana, no qual o poeta gaúcho faz uma reflexão sobre os leitores e seus comportamentos, ao mesmo tempo em que coloca uma pedra no seu caminho, Caro (a) Leitor (a), pois incluiu em um dos parágrafos uma explicação absurda que deve chamar a atenção do leitor atento.

A fim de ampliar e enriquecer o seu percurso interpretativo, sugerimos que você responda as seguintes perguntas ao final da leitura:

Qual o entendimento que você faz do título do texto? Que conselho o autor dá para os escritores conservarem seus eventuais leitores? Você concorda com o autor a respeito da frase “Pois não é mesmo tão bom falar e pensar sem esforço?” Qual a diferença de postura entre o leitor dorminhoco, o leitor semidesperto e o leitor atento? 

Confira a sua resposta com a deste blogueiro, no final da postagem.

Mãos à obra e ótima leitura!



 Não despertemos o leitor

Os leitores são, por natureza, dorminhocos. Gostam de ler dormindo.

Autor que os queira conservar não deve ministrar-lhes o mínimo susto. Apenas as eternas frases feitas. “A vida é um fardo.” – isto, por exemplo, pode-se repetir sempre. E acrescentar impunemente: “disse Bias”. Bias não faz mal a ninguém, como, aliás, os outros seis sábios da Grécia, pois todos os sete, como há vinte séculos já se queixava Plutarco, eram uns verdadeiros chatos. Isto para ele, Plutarco. Mas, para o grego comum da época, deviam ser a tábua de salvação das conversas.

Pois não é mesmo tão bom falar e pensar sem esforço? O lugar-comum é a base da sociedade, a sua política, a sua filosofia, a segurança das instituições. Ninguém é levado a sério com ideias originais.

Já não é a primeira vez, por exemplo, que um figurão qualquer declara em entrevista: “O Brasil não fugirá ao seu destino histórico!”

O êxito da tirada, a julgar pelo destaque que lhe dá a imprensa, é sempre infalível, embora o leitor semidesperto possa desconfiar que isso não quer dizer coisa alguma, pois nada foge mesmo ao seu destino histórico, seja um Império que desaba ou uma barata esmagada.

Mário Quintana
Abraços Fraternos,

Paulo Jorge


R.... como, aliás, os outros seis sábios da Grécia, pois todos os sete...” Os sábios da Grécia eram seis ou sete?!