domingo, 28 de março de 2021

Salvador, Cidade-Texto

 

No dia 29 de março de2021, Salvador irá completar 472, cidade fundada, em 1549, por Tomé de Sousa, governador-geral do Brasil.

Na sua fundação, segundo o site https://www.calendarr.com/, recebeu o nome de São Salvador da Bahia de Todos os Santos. Isso porque a primeira expedição exploratória chegou no dia 1º de novembro, dia de Todos dos Santos. Depois disso, por ocasião da sua fundação, o rei de Portugal mandou fazer uma homenagem a Jesus Cristo, de modo que ao nome se juntou São Salvador.

Além de primeira cidade do Brasil, foi em Salvador também onde se constituiu a primeira sede da administração colonial portuguesa do nosso país, assim considerada a primeira capital do Brasil até 1763, quando a mesma foi transferida para o Rio de Janeiro.

Conhecida principalmente pelo Carnaval e pela sua gastronomia com influência africana, Salvador comemora o seu aniversário com música e muitos eventos culturais variados, tal como feiras de arte e exposições.

O texto que você vai ler, a seguir, é uma belíssima homenagem à Roma Negra, epíteto cunhado por Mãe Aninha, fundadora do Ilê Axé Opó Afonjá.

Atenção especial à proposta de reflexão dos autores sobre a nossa cidade constante no último parágrafo do texto.

Salve, Salvador!

Cidade-texto

Sempre existiu uma íntima relação entre a literatura e a cidade. Na história, os dois fenômenos – escrita e cidade – ocorrem quase que simultaneamente. Por outro lado, é evidente o paralelismo que existe na possibilidade de empilhar tijolos / construir cidades e agrupar letras formando palavras para representar sons e ideias. Construir cidades significa também uma forma de escrita. Sempre presente nas indagações e nas angústias dos escritores, a cidade é sempre tessitura, trama da experiência literária. Seja a cidade natal, seja a cidade grande, sempre em torno da cidade o escritor, o artista, constroem sua vida pessoal e, consequentemente, sua obra literária. Sendo a cidade o cenário de nossa vida cotidiana, nós somos parte dela, da urbe – somos urbanos.

É na cidade e através da escrita que se registra a acumulação de conhecimentos. Na cidade-escrita, habitar ganha uma dimensão completamente nova, vez que se fixa em uma memória que, ao contrário da lembrança, não se dissipa com a morte. A cena escrita da cidade permanece. E não são somente os textos que a cidade produz e contém (documentos, registros, mapas, plantas baixas, inventários) que fixam essa memória. A própria arquitetura urbana escreve a história da cidade. O desenho das casas e das ruas, das praças e dos templos, além de contar a experiência daqueles que os construíram, revela o seu mundo. É por isso que as formas e tipologias arquitetônicas podem ser lidas e decifradas como se lê um texto. A arquitetura da cidade é, ao mesmo tempo, continente e registro da cultura urbana. É como se a cidade fosse um imenso alfabeto, com o qual se montam e desmontam palavras e frases. É precisamente essa dimensão que permite ser o próprio espaço da cidade o encarregado de contar sua história.

Tanto as manifestações culturais populares e eruditas quanto as igrejas, os monumentos, qualquer produto arquitetônico, as praças e jardins, o traçado das ruas e caminhos, os arquivos e museus, as obras de arte, os fazeres e as peculiaridades do comportamento social, a paisagem e os vestígios arqueológicos podem estar reunidos no cenário da cidade. Tudo isso constitui, na cidade, as suas referências, a sua memória e a sua identidade. A cidade é o espaço da história e da cultura. É na cidade que se produz a arte.

E é essa história, com o cenário de Salvador, o objeto de muitas obras literárias de Jorge Amado, dentre as quais a Bahia de Capitães da Areia, dos Pastores da Noite, de Tenda dos Milagres, da vida amorosa de Dona Flor e seus Dois Maridos e de A morte e a morte de Quincas Berro d’água. É tema também dos versos satíricos de Gregório de Matos e Guerra, que retratam a velha metrópole do século XVII.

Lugar de nossas lembranças e de nossas emoções, cidade do Terceiro Mundo, fundada há 450 anos, Salvador foi a primeira capital portuguesa da América, e o seu Centro Histórico o primeiro aglomerado urbano do Brasil. Seus símbolos e significados do passado se interceptam com os do presente, construindo uma rede de significados móveis. Em Salvador, o passado existe porque faz parte do presente.

É nesse presente, mais precisamente na década de 90, que Salvador passou por uma das mais vastas e profundas operações urbanísticas de que se têm notícias no mundo – a revitalização do seu Centro Histórico, em torno do Pelourinho. Será o novo Pelourinho um engano a desafiar nossa leitura do texto da cidade?

                                                                                                 Silva, M. A. da. & Pinheiro, D. J. F. 1999.