sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Intertextualidade



Mesmo vendo-a pela primeira, dificilmente um leitor atento não saberá de imediato o sentido da palavra Intertextualidade. E por um motivo simples: nela, perceberá a presença do radical em "textual", que contém o significado da palavra. No início, verá o prefixo “inter” (entre); e, no final, o sufixo “idade” (condição, estado).

Ou seja, Intertextualidade é o diálogo que o usuário da língua estabelece com outros textos, seja na oralidade, seja na escrita.

Competência linguística, aliás, que desenvolvemos desde nossa infância, antes mesmo de irmos à escola. No convívio familiar, com os amigos, com a comunidade, a interatividade humana faz com que utilizemos outros discursos na construção de nossos discursos. Até aqui não existe plágio, que é um tipo de intertextualidade.

Acrescente-se que o diálogo pode ser estabelecido não só entre textos verbais, mas também entre textos imagéticos.

Veja:


Neste momento, ficaremos com a intertextualidade entre textos verbais. Elas se classificam em:

– Alusão: Trata-se de uma referência a outros textos, pessoas, situações sem a citação nominal.
Ex. No Brasil, existem ex-presidentes que parecem continuar no poder.

– Citação: É a transcrição de texto alheio, por isso deve vir, obrigatoriamente, marcada por aspas.
Ex. O escritor italiano Umberto Eco disse que “Todo texto é uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça parte de seu trabalho.”

– Paráfrase: O autor irá produzir um texto que irá ao encontro das ideias presentes em outro texto. Em textos não literários, ocorre, por exemplo, em resumos escolares. Veja, na área da arte, a paráfrase criada por Jorge Bem Jor, em “País tropical”:
Ex. Moro num país tropical / Abençoado por Deus / E bonito por natureza.

Com o Hino Nacional Brasileiro:

Ex. Do que a terra mais garrida / Teus risonhos, limpos campos têm mais flores
Nossos bosques têm mais vida / Nossa vida em teu seio mais amores.

– Paródia: Ao contrário da paráfrase, a paródia vai de encontro às ideias presentes em outro texto, normalmente por um viés irônico. Veja o diálogo do poeta Eduardo Alves da Costa com o nosso hino:

Ex. Minha terra tem Palmeiras, / Corinthians e outros times / de copas exuberantes.

– Pastiche: É a imitação de um estilo, pois se reporta a um gênero. Por exemplo, o programa Os Trapalhões é um pastiche de comédias italianas.

– Plágio: Único tipo de intertextualidade ilegal, porque o produtor textual se apropria do texto alheio e não informa a autoria original. Acontece em livros, músicas, fotografias e, também, em trabalhos escolares e acadêmicos.

Tradução: trabalho consciente e exato de transposição de um idioma para outro, entretanto desprovido de cunho artístico.

Versão: trabalho de transposição, exato e artístico.

O recurso da intertextualidade é fundamental para a produção de textos criativos e refinados. Para tanto, é necessário que o usuário da língua amplie a sua bagagem cultural, ampliando o seu conhecimento de mundo. E só é possível conseguir isso por meio de leituras variadas, principalmente, de textos literários.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Carta-Argumentativa


Algumas universidades têm cobrado nos exames vestibulares a carta-argumentativa. E apesar das semelhanças com o texto dissertativo-argumentativo, há diferenças importantes entre esses dois tipos de produção textual.

Veja:

a) Cabeçalho: na primeira linha da carta, na margem do parágrafo, aparecem o nome da cidade do remetente e a data.

Ex.: Salvador, 27 de novembro de 2017.

b) Vocativo: na linha seguinte, há o termo por meio do qual se dirige ao leitor, (marcado por vírgula). A escolha desse vocativo dependerá muito do leitor e da relação social com ele estabelecida. 

Ex.: Prezado senhor Fulano, Excelentíssimo senhor presidente Luís Inácio Lula da Silva, Caro deputado Sicrano etc.

c) Interlocutor definido: essa é a principal diferença entre a dissertação e a carta. O texto dissertativo, geralmente, possui um leitor universal. Na carta, isso muda, pois se estabelece uma comunicação particular entre o remetente e o destinatário. Logo, deve-se adaptar a linguagem e a argumentação à realidade desse destinatário e ao grau de intimidade estabelecido entre os dois. Os argumentos e informações deverão ser compreensíveis ao leitor, próximos da realidade dele.

d) Necessidade de se dirigir ao interlocutor: ao escrever uma carta, o leitor deve “aparecer” no texto; por isso, além do Vocativo, utilizam-se verbos no imperativo, que fazem o leitor perceber que é ele o interlocutor.

e) Despedida: terminada a carta, deve-se produzir uma despedida que precede a assinatura do autor. “A mais comum é “Atenciosamente”, mas, dependendo das suas intenções do locutor para com o interlocutor, será possível gerar várias outras expressões, como “De um amigo”, “Do seu eleitor”, “De alguém que deseja ser atendido”.

f) Assinatura: um texto pessoal, como é a carta, deve ser assinado pelo autor. Nos vestibulares, porém, costuma-se solicitar ao aluno que não escreva o próprio nome por extenso.


(Crônica de Moacyr Scliar)

São Paulo, 14 de agosto de 2000.

Prezados Senhores,

Uns amigos me falaram que os senhores estão para destruir 45 mil pares de tênis falsificados com a marca Nike e que, para esse fim, uma máquina especial já teria até sido adquirida. A razão desta cartinha é um pedido. Um pedido muito urgente.

Antes de qualquer coisa, devo dizer aos senhores que nada tenho contra a destruição de tênis, ou de bonecas Barbie, ou de qualquer coisa que tenha sido pirateada. Afinal, a marca é dos senhores, e quem usa essa marca indevidamente sabe que está correndo um risco. Destruam, portanto. Com a máquina, sem a máquina, destruam. Destruir é um direito dos senhores.

Mas, por favor, reservem um par, um único par desses tênis que serão destruídos para este que vos escreve. Este pedido é motivado por duas razões: em primeiro lugar, sou um grande admirador da marca Nike, mesmo falsificada. Aliás, estive olhando os tênis pirateados e devo confessar que não vi grande diferença deles para os verdadeiros.

Em segundo lugar, e isto é o mais importante, sou pobre, pobre e ignorante. Quem está escrevendo esta carta para mim é um vizinho, homem bondoso. Ele vai inclusive colocá-la no correio, porque eu não tenho dinheiro para o selo. Nem dinheiro para selo, nem para qualquer outra coisa: sou pobre como um rato. Mas a pobreza não impede de sonhar, e eu sempre sonhei com um tênis Nike. Os senhores não têm ideia de como isso será importante para mim. Meus amigos, por exemplo, vão me olhar de outra maneira se eu aparecer de Nike. Eu direi, naturalmente, que foi presente (não quero que pensem que andei roubando), mas sei que a admiração deles não diminuirá: afinal, quem pode receber um Nike de presente pode receber muitas outras coisas. Verão que não sou o coitado que pareço.

Uma última ponderação: a mim não importa que o tênis seja falsificado, que ele leve a marca Nike sem ser Nike. Porque, vejam, tudo em minha vida é assim. Moro num barraco que não pode ser chamado de casa, mas, para todos os efeitos, chamo-o de casa. Uso a camiseta de uma universidade americana, com dizeres em inglês, que não entendo, mas nunca estive nem sequer perto da universidade – é uma camiseta que encontrei no lixo. E assim por diante.

Mandem-me, por favor, um tênis. Pode ser tamanho grande, embora eu tenha pé pequeno. Não me desagradaria nada fingir que tenho pé grande. Dá à pessoa certa importância. E depois, quanto maior o tênis, mais visível ele é. E, como diz o meu vizinho aqui, visibilidade é tudo na vida.

Atenciosamente,

Um sem tênis