Os editoriais
são textos de um jornal em que o conteúdo expressa a opinião da empresa, da
direção ou da equipe de redação, sem a obrigação de ter alguma imparcialidade
ou objetividade. Geralmente, grandes jornais reservam um espaço predeterminado
para os editoriais em duas ou mais colunas logo nas primeiras páginas internas.
Os quadros dos editoriais são normalmente demarcados com uma borda ou
tipografia diferente para marcar claramente que aquele texto é opinativo, e não
informativo. Veja um exemplo, a seguir:
Crusoé e Alexandre de Moraes:
decisão equivocada em um inquérito ilegal
e abusivo
Em mais
um movimento temerário no seio do inquérito ilegal e abusivo aberto no Supremo
Tribunal Federal (STF) para apurar “fake news” e injúrias, difamações e
calúnias que atingem a “honorabilidade e a segurança” do tribunal, o ministro
Alexandre de Moraes mandou retirar do ar uma reportagem da revista Crusoé,
divulgada também pelo portal O Antagonista, segundo a qual o empreiteiro
Marcelo Odebrecht teria apontado que o presidente do STF, Dias Toffoli, é o
“amigo do amigo do meu pai” na famigerada planilha da empresa. Embora a decisão
não possa ser classificada como censura, ela carrega graves equívocos
jurídicos.
Neste
sábado (13), tivemos a oportunidade de discutir, por ocasião da condenação em
primeira instância do humorista Danilo Gentili, o justo limiar entre a
liberdade de expressão e a proteção da honra no tocante à liberdade de opinião
e de crítica. Neste caso, estamos diante da mesma questão, mas agora no que diz
respeito à “liberdade de crônica”, ou seja, à liberdade de noticiar e narrar
fatos que podem ser desabonadores à honra dos indivíduos. Embora o conflito
seja o mesmo, há critérios específicos que devem ser observados e nos quais a
decisão de Moraes sequer chegou a esbarrar.
Como
regra geral, ninguém tem o direito de reproduzir versões ou suspeitas de fatos
que sejam difamatórias ou caluniosas contra algum indivíduo. Nesses casos, quem
escolhe divulgar tem o dever de apurar (por exemplo, se determinado indivíduo
praticou um crime), para que se forme uma convicção acerca da veracidade do
fato, e não apenas de uma ou outra versão que se conta dele. Se o conjunto
probatório não for suficiente para gerar essa convicção, a prudência recomenda
que se abstenha de divulgá-lo. No entanto, quando se trata de pessoas públicas
ou de temas de interesse público, mesmo as suspeitas já são relevantes,
justamente por permitir que os temas sejam tratados com transparência no debate
público e que as autoridades competentes tomem as providências necessárias para
investigar essas suspeitas. Nos casos em que há interesse público, portanto, a
veracidade do que se narra deve ser analisada em seus próprios termos, ou seja,
ela diz respeito, por exemplo, a alguém ter feito alguma denúncia ou haver
algum documento que indique uma suspeita – e não à plena convicção de que
existe um fato ilícito. Em suma, não se deve, aqui, exigir a plena convicção do
fato antes que se possa noticiá-lo.
Ora, a
reportagem da revista Crusoé faz exatamente isso, uma vez que não imputa este
ou aquele crime a Dias Toffoli, nem sequer ações concretas além do que revelam
as fontes obtidas pelos repórteres. Os autores se fiam em documentos cujas
imagens se veem reproduzidas na matéria, que mostram uma troca de e-mails entre
o empreiteiro Marcelo Odebrecht, e Adriano Maia, ex-diretor jurídico da
empresa. Nela, Odebrecht pergunta “Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo
do meu pai?”, e Maia responde: “Em curso”. O relato jornalístico conta então
que Marcelo Odebrecht enviou, na terça-feira (9), um documento à força tarefa
da Operação Lava Jato, em Curitiba, afirmando que o “amigo do amigo do meu
pai”, um velho mistério da planilha da Odebrecht, é “José Antonio Dias
Toffoli”, hoje presidente do STF e, em 2007, quando da troca de e-mails
retratada, advogado-geral da União. Odebrecht, porém, diz que o teor das
conversas só pode ser elucidado por Maia.
A
reportagem segue explicando a linha de investigação da Lava Jato sobre a usina
de Belo Monte e rememora o histórico profissional de Dias Toffoli para explicar
porque ele teria sido apelidado de “amigo do amigo do meu pai”, isto é, amigo
do ex-presidente Lula da Silva, no jargão da planilha da empreiteira. Ao final,
a reportagem ainda tem o cuidado de dizer que “como advogado-geral da União,
Toffoli tinha a atribuição de lidar com o tema. Até por isso, não é possível,
apenas com base na menção a ele, dizer se havia algo de ilegal na relação com a
empreiteira”. A publicação informa também que o presidente do STF foi procurado
para comentar o assunto, mas não respondeu.
O
ministro Alexandre de Moraes, porém, não analisou nenhuma dessas dimensões,
apegando-se a uma questão lateral, orientado por mensagem eletrônica do
presidente Dias Toffoli, para imputar à reportagem a pecha de “fake news” e
atrair para si a competência de investigá-lo no inquérito ilegal e abusivo que
apura esse tema no STF. Em determinado momento da reportagem, seus autores
afirmam que uma cópia da mensagem de Odebrecht foi enviada à Procuradoria-Geral
da República (PGR) – já que Toffoli tem foro privilegiado – “para que ela
avalie se é o caso ou não de abrir uma frente de investigação sobre o
ministro”. Ocorre que, na sexta-feira (12), a PGR divulgou uma nota negando ter
recebido qualquer material da Força Tarefa ou do delegado que preside o
inquérito. Disso, Moraes extrai a razão para mandar excluir todo o conteúdo da
reportagem, quando, na verdade, só confirma o ponto que expusemos acima: se
realmente Marcelo Odebrecht prestou essa informação e a PGR não a recebeu, o
que a reportagem faz é permitir que Raquel Dodge peça os esclarecimentos
necessários à primeira instância.
A posição
que equilibra a liberdade de crônica e a proteção da honra com base nos
critérios do interesse público e da veracidade do relato, além de ser a que
melhor protege os bens em jogo, é praxe no Brasil. No contexto das grandes
operações contra a corrupção, já houve notícias muito mais desabonadoras sobre
agentes públicos divulgadas pela imprensa. Aliás, basta lembrar que já tivemos
a divulgação de denúncias de corrupção contra um presidente da República, no
exercício do mandato, e nenhum tribunal cogitou tirá-las do ar. Não faria
sentido alterar esse entendimento tradicional apenas porque se trata do
presidente do STF – ao contrário, seria dar a ele um privilégio imoral e
antirrepublicano. Ainda mais preocupante é que essa decisão equivocada tenha
sido dada a pedido do próprio Toffoli – e no bojo de um inquérito, como já
discutimos nesse espaço, absolutamente ilegal e abusivo.
Acesso em: 16 de abril
de 2019, às 20h28