terça-feira, 14 de março de 2023

Meia, Meia, Meia, Meia ou Meia?

 História da língua portuguesa - Estudo Kids

 https://www.estudokids.com.br/

Difunde-se com frequência, pelo menos no Brasil, a crença de que a Língua Portuguesa é uma das mais difíceis do mundo, inclusive para nós, brasileiros. Daí a visão de que a dificuldade no manuseio pelos seus usuários, não só na oralidade mas também na escrita da variante padrão, estaria ligada à estrutura da nossa língua. É um equívoco. Todas as línguas apresentam suas especificidades que resultam em dificuldades para o falante e o produtor textual, em menor ou maior grau.

A polissemia, por exemplo, representa um recurso linguístico recorrente em várias línguas e demonstra a elasticidade que uma palavra ou expressão pode conter em sua semântica alimentada por seus usuários.

No texto desta semana, trazemos uma história que brinca com os sentidos da palavra “meia”, segundo usuários brasileiro e africano.

Ótima leitura!

 

 Meia, Meia, Meia, Meia ou Meia?

Na recepção dum salão de convenções, em Fortaleza...

– Por favor, gostaria de fazer minha inscrição para o Congresso.

– Pelo seu sotaque vejo que o senhor não é brasileiro. O senhor é de onde?

– Sou de Maputo, Moçambique.

– Da África, né?

– Sim, sim, da África.

– Aqui está cheio de africanos, vindos de toda parte do mundo. O mundo está cheio de africanos.

– É verdade. Mas se pensar bem, veremos que todos somos africanos, pois a África é o berço antropológico da humanidade...

– Pronto, tem uma palestra agora na sala meia oito.

– Desculpe, qual sala?

– Meia oito.

– Podes escrever?

– Não sabe o que é meia oito? Sessenta e oito, assim, veja: 68.

– Ah, entendi, “meia” é “seis”.

– Isso mesmo, meia é seis. Mas não vá embora, só mais uma informação: A organização do Congresso está cobrando uma pequena taxa para quem quiser ficar com o material: DVD, apostilas, etc., gostaria de encomendar?

– Quanto tenho que pagar?

– Dez reais. Mas estrangeiros e estudantes pagam “meia”.

– Huummm! que bom. Ai está: “seis” reais.

– Não, o senhor paga meia. Só cinco, entende?

– Pago meia? Só cinco? “Meia” é “cinco”?

– Isso, meia é cinco.

– Tá bom, “meia” é “cinco”.

– Cuidado para não se atrasar, a palestra começa às nove e meia.

– Então já começou há quinze minutos, são nove e vinte.

– Não, ainda faltam dez minutos. Como falei, só começa às nove e meia.

– Pensei que fosse as 9h05, pois “meia” não é “cinco”? Você pode escrever aqui a hora que começa?

– Nove e meia, assim, veja: 9h30.

– Ah, entendi, “meia” é “meia”.

– Isso, mesmo, nove e trinta. Mais uma coisa senhor, tenho aqui um fôlder de um hotel que está fazendo um preço especial para os congressistas, o senhor já está hospedado?

– Sim, já estou na casa de um amigo.

– Em que bairro?

– No Trinta Bocas.

– Trinta bocas? Não existe esse bairro em Fortaleza, não seria no Seis Bocas?

– Isso mesmo, no bairro “Meia” Boca.

– Não é meia boca, é um bairro nobre.

– Então deve ser “cinco” bocas.

– Não, Seis Bocas, entende, Seis Bocas. Chamam assim porque há um encontro de seis ruas, por isso seis bocas. Entendeu?

– Acabou?

– Não. Senhor é proibido entrar no evento de sandálias. Coloque uma meia e um sapato...

O africano infartou...

Paulo Jorge de Jesus
Professor Especialista em Língua Portugues
a

PS: Texto de livre circulação na Internet, sem indícios de autoria.

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Amor Gramatical

Obra: O Abraço de amor do Universo, a Terra (México), eu, Diego e Senhor Xolotl, de Frida Khalo

  O Abraço de amor do Universo, a Terra (México), eu, Diego e Senhor Xolotl, de Frida Khalo        

 

Caras (os) Leitoras (os),

 

O texto desta semana me foi enviado por Julio Gomes, um jornalista amigo meu, e posto aqui em razão da criatividade demonstrada pela autora no manuseio com a Língua Portuguesa.

Alie-se à criatividade, a competência literária, pois o texto atiça a nossa imaginação ao provocar imagens de grande poder de sedução.

Credita-se sua autoria a uma aluna da UFPE – Universidade Federal de Pernambuco, em um concurso interno promovido pelo professor titular da cadeira de Gramática Portuguesa. Desnecessário dizer que a autora foi aprovada, aqui pra nós, com louvor.

É pra se deliciar!

 (sem título)

Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal.

Era ingênua, silábica, um pouco átona, ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar.

O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador para, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e para justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto.

Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar.

Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto.

Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula; ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros.

Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta.

Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, sub-tônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história.

Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal. Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto. Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos.

Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-três. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.

O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.

Paulo Jorge de Jesus
Professor Especialista em Língua Portugues
a

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Figuras de Pensamento

                               Figuras de Pensamento — Aulas de Língua Portuguesa

Finalizando a trilogia das Figuras de Linguagem, apresentamos, hoje, as Figuras de Pensamento, que lidam com a subjetividade, exploram a riqueza de significados escondidos por trás de uma determinada ideia, de uma determinada expressão. 

Veja a Classificação delas:

a- Ironia: Sugere-se o contrário do que as palavras ou orações parecem exprimir. A intenção é depreciativa ou sarcástica.

    Ex. Que bela educação, hein?! Só sabe dizer palavrões!

b- Hipérbole: Existe exagero de uma ideia, a fim de proporcionar uma imagem emocionante e de impacto.

    Ex. Já falei mais de mil vezes e você não entendeu!

c- Eufemismo: Uma palavra ou expressão é empregada para atenuar uma verdade tida como desagradável ou chocante.

 Eufemismo: figura de linguagem, características e exemplos [resumo]

    Ex. O nosso presidente gosta muito de faltar com a verdade.      

d- Disfemismo: Emprego de palavra ou expressão depreciativa, ridícula, sarcástica ou chula, em lugar de outra palavra.

    Ex. É um jogador perna-de-pau.

e- Antítese: Ocorre uma aproximação de palavras ou expressões de sentidos opostos.

    Ex. Onde queres prazer, sou o que dói
          E onde queres tortura, mansidão
          Onde queres um lar, revolução
          E onde queres bandido, sou herói.

f- Apóstrofe: Existe a invocação de uma pessoa ou algo, real ou imaginário, que pode estar presente ou ausente. Corresponde ao vocativo na análise sintática

    Ex. “Colombo, fecha a porta dos teus mares!”                            Castro Alves

g- Prosopopeia: Atribui-se movimento, ação, fala, sentimento, enfim, caracteres próprios de seres animados a seres inanimados ou imaginários.

 Figuras de linguagem - Resumo, Exemplos e Exercícios

    Ex. “Palmeiras se abraçam fortemente.”           Eduardo Dusek & Luiz Carlos Góes       

h- Gradação: Existe uma sequência de palavras que intensificam uma mesma ideia.

    Ex. “O preço é módico que o proteja contra o acaso, o imprevisto, o azar, o risco de viver.”          

i- Lítotes: Combina a ênfase retórica com a ironia, não raro sugerindo uma ideia pela negação do seu contrário.

   Ex. Você não é nada bobo!

j- Preterição: Finge-se não querer falar de coisas sobre as quais se está, indiretamente, falando.

   Ex. “Tenho dedicado minha vida à causa dos desfavorecidos, sou íntegro, ponho sempre os interesses públicos acima de meus próprios interesses. Não quero, no entanto elogiar-me...”

k- Paradoxo: Ocorre na aproximação de palavras de sentido oposto e, também, na de ideias que se contradizem referindo-se ao mesmo termo.

 As contradições da linguagem - O PARADOXO DO MENTIROSO - divagacoesligeiras

    Ex. "Amor é fogo que arde sem se ver

         É ferida que dói e não se sente

         É um contentamento descontente

         É dor que desatina sem doer"                              Camões

 

Paulo Jorge de Jesus
Professor Especialista em Língua Portugues
a

PS: As definições das Figuras de Construção foram retiradas dos sites http://www.pciconcursos.com.br/aulas/portugues/figuras-de-sintaxe e http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra.