Algumas
universidades têm cobrado nos exames vestibulares a carta-argumentativa. E, apesar das semelhanças com o texto dissertativo-argumentativo, há diferenças
importantes entre esses dois tipos de produção textual.
Veja:
a) Cabeçalho: na
primeira linha da carta, na margem do parágrafo, aparecem o nome da cidade do
remetente e a data.
Ex.: Salvador,
28 de setembro de 2024.
b) Vocativo: na
linha seguinte, há o termo por meio do qual se dirige ao leitor, (marcado por
vírgula). A escolha desse vocativo dependerá muito do leitor e da relação
social com ele estabelecida.
Ex.: Prezado
senhor Fulano, Excelentíssimo senhor presidente Luís Inácio Lula da Silva, Caro
deputado Sicrano etc.
c)
Interlocutor definido: essa é a principal diferença entre a dissertação e a
carta. O texto dissertativo, geralmente, possui um leitor universal. Na carta,
isso muda, pois se estabelece uma comunicação particular entre o remetente e o
destinatário. Logo, deve-se adaptar a linguagem e a argumentação à realidade desse
destinatário e ao grau de intimidade estabelecido entre os dois. Os argumentos
e informações deverão ser compreensíveis ao leitor, próximos da realidade dele.
d)
Necessidade de se dirigir ao interlocutor: ao escrever uma carta, o leitor deve
“aparecer” no texto; por isso, além do Vocativo, utilizam-se verbos no
imperativo, que fazem o leitor perceber que é ele o interlocutor.
e)
Despedida: terminada a carta, deve-se produzir uma despedida que precede a
assinatura do autor. “A mais comum é “Atenciosamente”, mas, dependendo das suas
intenções do locutor para com o interlocutor, será possível gerar várias outras
expressões, como “De um amigo”, “Do seu eleitor”, “De alguém que deseja ser
atendido”.
f)
Assinatura: um texto pessoal, como é a carta, deve ser assinado pelo autor. Nos
vestibulares, porém, costuma-se solicitar ao aluno que não escreva o próprio
nome por extenso.
São
Paulo, 14 de agosto de 2000.
Prezados
Senhores,
Uns
amigos me falaram que os senhores estão para destruir 45 mil pares de tênis
falsificados com a marca Nike e que, para esse fim, uma máquina especial já
teria até sido adquirida. A razão desta cartinha é um pedido. Um pedido muito
urgente.
Antes
de qualquer coisa, devo dizer aos senhores que nada tenho contra a destruição
de tênis, ou de bonecas Barbie, ou de qualquer coisa que tenha sido pirateada.
Afinal, a marca é dos senhores, e quem usa essa marca indevidamente sabe que
está correndo um risco. Destruam, portanto. Com a máquina, sem a máquina, destruam.
Destruir é um direito dos senhores.
Mas,
por favor, reservem um par, um único par desses tênis que serão destruídos para
este que vos escreve. Este pedido é motivado por duas razões: em primeiro
lugar, sou um grande admirador da marca Nike, mesmo falsificada. Aliás, estive
olhando os tênis pirateados e devo confessar que não vi grande diferença deles
para os verdadeiros.
Em
segundo lugar, e isto é o mais importante, sou pobre, pobre e ignorante. Quem
está escrevendo esta carta para mim é um vizinho, homem bondoso. Ele vai
inclusive colocá-la no correio, porque eu não tenho dinheiro para o selo. Nem
dinheiro para selo, nem para qualquer outra coisa: sou pobre como um rato. Mas
a pobreza não impede de sonhar, e eu sempre sonhei com um tênis Nike. Os senhores
não têm ideia de como isso será importante para mim. Meus amigos, por exemplo,
vão me olhar de outra maneira se eu aparecer de Nike. Eu direi, naturalmente,
que foi presente (não quero que pensem que andei roubando), mas sei que a
admiração deles não diminuirá: afinal, quem pode receber um Nike de presente
pode receber muitas outras coisas. Verão que não sou o coitado que pareço.
Uma
última ponderação: a mim não importa que o tênis seja falsificado, que ele leve
a marca Nike sem ser Nike. Porque, vejam, tudo em minha vida é assim. Moro num
barraco que não pode ser chamado de casa, mas, para todos os efeitos, chamo-o
de casa. Uso a camiseta de uma universidade americana, com dizeres em
inglês, que não entendo, mas nunca estive nem sequer perto da universidade – é
uma camiseta que encontrei no lixo. E assim por diante.
Mandem-me,
por favor, um tênis. Pode ser tamanho grande, embora eu tenha pé pequeno. Não
me desagradaria nada fingir que tenho pé grande. Dá à pessoa certa importância.
E depois, quanto maior o tênis, mais visível ele é. E, como diz o meu vizinho
aqui, visibilidade é tudo na vida.
Atenciosamente,
Um sem tênis
Paulo
Jorge de Jesus
Professor Especialista em Língua Portuguesa