sábado, 18 de janeiro de 2020

Meia, Meia, Meia ou Meia?

Difunde-se com frequência, pelo menos no Brasil, a crença de que a Língua Portuguesa é uma das mais difíceis do mundo, inclusive para nós, brasileiros. Daí a visão de que a dificuldade no manuseio pelos seus usuários estaria ligada à estrutura da nossa língua não só na oralidade mas também na escrita da variante padrão. É um equívoco. Todas as línguas apresentam suas especificidades que resultam em dificuldades para o falante e o produtor textual, em menor ou maior grau.

A polissemia, por exemplo, representa um recurso linguístico recorrente em várias línguas e demonstra a elasticidade que uma palavra ou expressão pode conter em sua semântica alimentada por seus usuários.

No texto desta semana, trazemos uma história que brinca com os sentidos da palavra “meia”, segundo usuários brasileiro e africano.

Ótima leitura!


                                                             Meia, Meia, Meia ou Meia?

Na recepção do salão de convenções, Fortaleza:
- Por favor, gostaria de fazer minha inscrição no Congresso.
- Pelo seu sotaque vejo que o senhor não é brasileiro. O senhor é de onde?
- Sou de Maputo, Moçambique.
- Da África, né?
- Sim, sim, da África.
- Pronto, tem palestra agora na sala meia oito.
- Desculpe, qual sala?
- Meia oito.
- Podes escrever?
- Sessenta e oito, assim, veja: 68.
- Entendi, meia é seis.
- Isso mesmo, meia é seis. Mas, não vá embora, só mais uma informação: A organização cobra uma pequena taxa se quiser ficar com o material. Quer encomendar?
- Quanto pago?
- Dez reais. Mas, estrangeiros e estudantes pagam meia.
- Hmmm! que bom. Aqui está: seis reais.
- Não, não, o senhor paga meia. Só cinco, entende?
- Pago meia? Cinco? Meia é cinco?
- Isso, meia é cinco.
- Tá bom, meia é cinco.
- Não se atrase, a palestra é às 9 e meia.
- Então, já começou há quinze minutos. São nove e vinte.
- Não, não, ainda faltam dez minutos. Só começa às 9 e meia.
- Pensei que fosse às 9:05, pois meia não é cinco? Pode escrever a hora que começa?
- 9 e meia, assim, veja: 9:30
- Entendi, meia é trinta.
- Isso, 9:30... Mais uma coisa, aqui o folder de um hotel com preço especial para congressista... Já está hospedado?
- Sim, na casa de amigos.
- Em que bairro?
- No Trinta Bocas.
- Trinta bocas? Não existe esse bairro em Fortaleza, não seria no Seis Bocas?
- Isso mesmo, no bairro Meia Boca.
- O bairro não é meia boca, é um bairro nobre.
- Então deve ser cinco bocas.
- Não, Seis Bocas, entende, Seis Bocas. Chamam assim por causa do encontro de seis ruas, por isso seis bocas. Entendeu?
- Acabou?
- Não, senhor... é proibido entrar de sandálias. Coloque uma meia e um sapato...
O africano infartou!

sábado, 4 de janeiro de 2020

Adjetivos Gentílicos dos Estados Brasileiros





Acre (AC): acriano (a forma acreano não é mais aceita)

Alagoas (AL): alagoano

Amapá (AP): amapaense

Amazonas (AM): amazonense

Bahia (BA): baiano

Ceará (CE): cearense

Distrito Federal (DF): brasiliense

Espírito Santo (ES): capixaba, espírito-santense

Goiás (GO): goiano

Maranhão (MA): maranhense

Mato Grosso (MT): mato-grossense

Mato Grosso do Sul (MS): sul-mato-grossense

Minas Gerais (MG): mineiro

Pará (PA): paraense

Paraíba (PB): paraibano

Paraná (PR): paranaense

Pernambuco (PE): pernambucano

Piauí (PI): piauiense

Rio de Janeiro (RJ): fluminense (carioca é quem é da cidade do Rio de Janeiro)

Rio Grande do Norte (RN): potiguar ou norte-rio-grandense

Rio Grande do Sul (RS): gaúcho ou sul-rio-grandense

Rondônia (RO): rondoniano ou rondoniense

Roraima (RR): roraimense

Santa Catarina (SC): catarinense ou barriga-verde

São Paulo (SP): paulista (quem é da capital é paulistano)

Sergipe (SE): sergipano

Tocantins (TO): tocantinense
Acesso em: 4 de janeiro de 2020.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

A longo prazo ou Em longo prazo?




Independentemente da duração do prazo – curto, médio, longo – recomendam vários gramáticos que se utilize “em”. Por quê? Pela impossibilidade do emprego da preposição “a” a respostas de perguntas como “Em que prazo a reforma terminará?”, “em que prazo será entregue o carro?”. Respostas: “em dez dias”, “em um mês”.

Da mesma forma, pergunta-se “em quanto tempo sua casa ficará pronta” e não “a quanto tempo sua casa ficará pronta?”. A preposição, portanto, é a mesma usada em “em quanto tempo?”, “em que período?”.

Não há motivos, porém, sendo a Língua Portuguesa mutável e constantemente modificada pelo seu uso, para não se registrar a forma corrente “a longo prazo”, tão usada atualmente, por indivíduos de todos os níveis de escolaridade. Não se trata, portanto, de um uso isolado: atualmente, vê-se mais o uso da expressão “a longo prazo” que “em longo prazo”. E a Língua precisa ser um lugar de aceitação do diverso. O Houaiss, seguindo esse pensamento, registra e aceita essas duas ocorrências.

Acesso em: 21 de novembro de 2019, às 21h59.

domingo, 3 de novembro de 2019

Os Estatutos do Homem

    
  
Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)
A Carlos Heitor Cony


Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V

Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.
 
Tiago de Melo
Santiago do Chile, abril de 1964.

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Sobre a Arte de Escrever




Assunto instigante para muitos escritores, o início da produção textual – qualquer que seja ela! – representa um momento de desespero para o autor. O desafio da folha em branco que Drummond belamente poetizou em Áporo. E se para eles o pontapé inicial o faz tremerem, imagine para aqueles que não têm o exercício prática escrita como função diária.

Veja, a seguir, o que diz Clarice Lispector sobre esse ofício essencial ao crescimento humano.

Ótima leitura!





COMO É QUE SE ESCREVE?

Quando não estou escrevendo, eu simplesmente não sei como se escreve. E se não soasse infantil e falsa a pergunta das mais sinceras, eu escolheria um amigo escritor e lhe perguntaria: como é que se escreve?

Por que, realmente, como é que se escreve? que é que se diz? e como dizer? e como é que se começa? e que é que se faz com o papel em branco nos defrontando tranquilo?

Sei que a resposta, por mais que intrigue, é a única: escrevendo. Sou a pessoa que mais se surpreende de escrever. E ainda não me habituei a que me chamem de escritora. Porque, fora das horas em que escrevo, não sei absolutamente escrever. Será que escrever não é um ofício? Não há aprendizagem, então? O que é? Só me considerarei escritora no dia em que eu disser: sei como se escreve.

A Descoberta do Mundo, pág. 156-57.
Editora Rocco – Rio de Janeiro, 1999.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

A expectativa era que...



Veja, a seguir, duas construções gramaticais e eleja aquela que, na sua opinião, está corretamente elaborada, segundo a variante formal da Língua Portuguesa:
 
a) A expectativa era que o criminoso se entregasse às 21h.

b) A expectativa era de que o criminoso se entregasse às 21h.

Você acertou se escolheu a primeira alternativa, uma vez que não se justifica a presença da preposição “de” após o verbo de ligação SER, nesse tipo de construção gramatical.
Alguns manuais ainda registram a expressão "a expectativa era a de que".
Fuja!
É arcaica e fere a audição.