domingo, 26 de junho de 2016

Segundo seu criador, o agrônomo e publicitário Alexandre Beck, "O personagem Armandinho nasceu da pressa do jornal Diário Catarinense, em 2010, quando precisava de três histórias de quadrinhos para o dia seguinte. O personagem, que tem traços simples e, à época, não tinha nome, já estava desenhado. Bastou desenvolver a história para publicar no dia seguinte."

Tirinha de enorme sucesso no Facebook e semelhante a Mafalda, Armandinho se mostra um questionador das ações e comportamentos sociais, quase sempre tendo como interlocutores os seus pais, embora Beck afirme que seus filhos foram a fonte de inspiração para a criação do personagem.

Veja, a seguir, cinco momentos nos quais Armandinho reflete, com ternura, os homens em sociedade.

Ótima Leitura!


Tirinhas retiradas do seguinte endereço: http://tirasarmandinho.tumblr.com/

quarta-feira, 22 de junho de 2016


O texto de hoje é de autoria de uma das escritoras referenciais da literatura brasileira. Clarice Lispector. Nele, ao mesmo tempo em que declara seu amor à Língua Portuguesa, Clarice nos dá uma aula de beleza e refinamento linguístico.

Ótima Leitura!


Declaração de amor

Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.

Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Ás vezes se assusta com o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la — como gostava de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a galope.

Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E esse desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar para sempre uma herança de língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.

Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.

Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.


Abraços Fraternos,

Paulo Jorge

quinta-feira, 16 de junho de 2016


O texto, a seguir, me foi enviado pelo jornalista e meu amigo Julio Gomes e posto aqui em razão da criatividade no manuseio da produtora textual com a Língua Portuguesa.

Alie-se à criatividade, a competência literária, pois o texto atiça a nossa imaginação ao provocar imagens de grande poder de sedução.

Credita-se a sua autoria, a uma aluna da UFPE - Universidade Federal de Pernambuco, em um concurso promovido pela instituição, para professor titular da cadeira de Gramática da Língua Portuguesa.

Desnecessário dizer que a autora foi aprovada no referido concurso; certamente, com louvor.



Amor gramatical

Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal.

Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar.

O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto.

Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar.

Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto.

Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula; ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros.

Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta.

Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, sub-tônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história.

Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal. Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto. Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos.

Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-três. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.

O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à Língua Portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.

Abraços Fraternos!

Paulo Jorge

Obs.: Telas de Wassily Kandinsky, artista plástico russo. (1866 / 1944)

segunda-feira, 6 de junho de 2016

A Arte de Descrever

Descrever significa apresentar características de seres materiais ou imateriais, humanos ou inanimados, de modo objetivo ou subjetivo.

De forma objetiva, utilizamos predominantemente substantivos concretos e com adjetivos pospostos, uma linguagem denotativa ou referencial, frases curtas, em ordem direta e visão imparcial sobre o ser descrito.
 

Observe:

“Tenho 14 anos. Sou morena, de olhos pretos e cabelos castanhos e encaracolados. Tenho 1,57m de altura e peso 54kg. Estudo no CEEP Isaías Alves, no turno matutino.”

Já subjetivamente, utilizamos essencialmente substantivos abstratos com adjetivos antepostos, uma linguagem conativa com a presença da função poética da linguagem e uma visão parcial do ser analisado.
 

Veja:

“Eu não tinha esse rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim amargo,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.”

Agora, observe um exercício de descrição proposto por um material de Leitura, Interpretação e Produção Textual, veiculado pelo Correio da Bahia, em parceria com a Consultec, há alguns anos:

“Escolhe-se um objeto qualquer, para descrevê-lo de forma mais sensorial possível, sem dizer de que objeto se trata. Utilizando a visão, o tato, a audição, o paladar e o olfato, a gente dá pistas ao leitor sutilmente, conseguindo, assim, treinar nossa capacidade descritiva e desalienar as automatizações que decorrem de substituirmos as características das coisas, dos objetos, pelos nomes que possuem. Os nomes classificam, organizam, traduzem o mundo, mas, ao mesmo tempo, podem torná-lo excessivamente rotulado, pronto, destituído de personalidade, de singularidade na maneira única e intransferível com que cada um de nós o percebe.”

O exercício, aqui, é você tentar descobrir qual ser ou objeto está sendo descrito. A resposta correta você encontrará no final deste texto. Não vale a “pesca”, hein?!


Ex. 1
“Basicamente este objeto é um nariz, não muito pontudo. Pode assumir lugares variados, mas sempre estratégicos. Este objeto é uma janela por onde não se vê nada, uma janela que esconde os mistérios das estruturas. Um nariz tem dois buracos, mas este pode ter quatro ou até mais, depende do uso. A distância entre as narinas é padronizada. É a chegada de um intrincado caminho por onde transita o ar do homem moderno. É o sexo das paredes.”

Ex. 2
“Este objeto pode ter vários cheiros, cheiros artificiais, químicos, novos, ou então do que mais gosto: aromas mágicos, assim como bolor, poeira, uma poeira de ideias, poeira fina que é gostosa de se tirar com os dedos, vendo a cor aparecer aos poucos, nítida, convidativa. Para se apreciar esse objeto é preciso tempo, abri-lo devagar, ir consumindo lenta e preguiçosamente, até que o apetite se torne voraz e seja impossível largá-lo. Quando é consumido até o fim, ele se “renova” e ganha uma conotação saudosa, de tesouro bem guardado, do qual a gente às vezes se lembra e corre pra ver se está no mesmo lugar, se nos diz a mesma coisa.”

Abraços,

Paulo Jorge
 

Resposta: Na sequência, tomada de parede e livro.