O texto, a seguir, me foi enviado pelo jornalista e meu amigo Julio Gomes e posto aqui em razão da criatividade no manuseio da produtora textual com a
Língua Portuguesa.
Alie-se à criatividade, a competência literária, pois o texto atiça a
nossa imaginação ao provocar imagens de grande poder de sedução.
Credita-se a sua autoria, a uma aluna da UFPE - Universidade Federal
de Pernambuco, em um concurso promovido pela instituição, para professor
titular da cadeira de Gramática da Língua Portuguesa.
Desnecessário dizer que a autora foi aprovada no referido concurso; certamente, com louvor.
Amor gramatical
Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se
encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto
plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o
artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com
um maravilhoso predicado nominal.
Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um
sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras
e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação: os dois
sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa
oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar.
O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse
pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro:
ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns
sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o
elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára
justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão
verbal, e entrou com ela em seu aposto.
Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma
fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla
para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num
vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar.
Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e
rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que
iriam terminar num transitivo direto.
Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo
seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que
nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise
quando ela confessou que ainda era vírgula; ele não perdeu o ritmo e
sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se
deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades
dele, e foram para o comum de dois gêneros.
Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias,
parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns
minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia
tomando conta.
Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular, ela era
um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome
do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a
porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha
percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se
encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e
exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou
melhor, sub-tônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o
seu particípio na história.
Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora
por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu
adjunto adnominal. Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem
comparativo: era um superlativo absoluto. Foi se aproximando dos dois,
com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado
para seus objetos.
Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo
ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-três. Só que as
condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria
ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no
artigo feminino.
O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido
depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto
final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o
pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à Língua
Portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa
conclusiva.
Abraços Fraternos!
Paulo Jorge
Obs.: Telas de
Wassily Kandinsky, artista plástico russo. (1866 / 1944)