terça-feira, 23 de abril de 2013

Caros Leitores,
 
Observem uma maneira eficiente e elegante de se mostrar a importância de algo, utilizando-se apenas de negativas.
 
Ótima Leitura e Reflexão!
 
Prof. Paulo Jorge

Ler devia ser proibido!
 
Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.

Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer.  
 
Mas para que conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais?

Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido.

Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas.
 
Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma verossimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade.

É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em metrôs, ou no silêncio da alcova... Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um.

Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos.

Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para executar ordens, a palavra é inútil.

Além disso, a leitura promove a comunicação de dores, alegrias, tantos outros sentimentos... A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida.

Ler pode tornar o homem perigosamente humano.

Guiomar de Grammon. Texto adaptado.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012


A decadência de Salvador
 
Jornais baianos e paulistas focam a decadência de Salvador sem relacionar a situação atual como resultado de péssimas gestões, marcações de território desse e daquele partido, nenhum deles preocupado com o bem-estar da cidade ou de seus moradores. Assistimos a esquerda, direita, centro e partidos teocráticos urinando sobre essa terra de beleza absoluta com gestões desastradas. Por último, João Henrique, responsável por oito anos de mijadas ininterruptas, chegou com o papo cansado de que Salvador recolhe pouco e, por isso, não tem dinheiro para ser bem administrada.

APrefeitura recolhe mais do que deveria. Muitos cidadãos, como eu, pagam impostos para evitar a inadimplência. Apenas. Pagam taxa para recolhimento de um lixo que empesta todos os bairros. Pagam IPTU sem retorno. E o que mais Salvador tem condições de recolher? Seus humanos, desqualificados para sobreviver numa cidade naturalmente completa para o turismo, mal falam português com correção. Suas intermináveis joias culturais, as festas de largo, o Carnaval, o sincretismo, são tratadas por jegues diante de igrejas e, óbvio, não podem resultar em arrecadamento.

Como é que uma cidade que pode viver bem e fartamente de sua criação cultural incessante, que jorra como água na superfície, criadora de dezenas de movimentos artísticos nacionais, não tem uma secretaria de cultura que pense, organize e fomente essa riqueza? Não adianta perguntar isso a João Henrique. Nem aos seus secretários, que nunca souberam arrecadar impostos, como gestores, porque não sabem usar sua melhor e, talvez, única riqueza para fazê-lo.

Éridículo que o Carnaval de Salvador receba dinheiro público sem retorno, para acolher milhões de pessoas durante sete dias, consumindo comida, habitação, música . Só o Carnaval da Baía, se bem-feito, pode (e deve) gerar renda para enriquecer a cidade durante o ano. Cidade que não pode ter outra indústria, senão a cultural, que tem todos os equipamentos naturais e culturais para o turismo. E que quando investiu neles, com senso, recebeu deles o dobro do que investiu.
 
Acesso em: 21 de dezembro de 2012, às 19h11.
 
 
 

                                                                 Trilhas

Roberto Carlos lançou um disco para o Natal e decretou “Esse cara sou eu”. Não acreditei no plano, mas, como o disco já está à venda nos “Francis Drake” da Cidade, inspirando os bonitões que preferem um tom mais cor de rosa que o pagode.baiano para dizer que são os caras, funcionou. O sucesso de um produto cultural de massa tem que estar na pirataria. Chegou às bancas dos piratas, espalhadas pelo País, está na mass media.

Que ainda não acatou o fim do mundo como produto final. Daí porque a probabilidade é que, depois do dia 21, será Natal com Simone ecoando em cada Shopping do País, e milhares de Humanos tentando comprar e vender absolutamente tudo. Jesus Cristo é um ótimo confrade dos comerciantes. E como há Shoppings neste País... Todos muito parecidos. Ocupando um espaço sobreterrâneo que os livros de prospecção humanística não detectaram. Nem 1984, de Orwell, nem Admiráv...el mundo novo de Huxley.

O que um Maia faria em um Shopping? Não tenho culpa. Essas perguntas chegam ao meu cérebro e eu repasso. Comeria? Compraria roupas? Levaria o disco de RC? Assistiria a um filme? Desejaria o fim do mundo? Talvez. Em 2012, o mundo acabou para Oscar Niemayer, Décio Pignatari, e milhares de outros Humanos que plantaram uma árvore, fizeram um filho, mas não escreveram um livro nem construíram uma cidade. E criar qualquer coisa está cada dia mais difícil, mais colado entre Criação e Recepção. Criar está exigente como sua essência. Ninguém suporta mais repetições, imitações, reproduções. Só clonagens de originais inacessíveis.

O que é péssimo para o Planeta, se sobreviver ao seu fim, com essa criatividade escassa. Entraremos no décimo terceiro ano do século 21 com analfabetos no Brasil, ditadura em Cuba, piadas portuguesas, filósofos alemães (a França se esforça, mas...). No ar, duas novidades, a China pós.Mao, seus dragões de liberdade, sua ditadura, as conquistas e criações, e o reconhecimento da gastronomia brasileira, que, desde sempre, teve ingredientes para seduzir o Planeta. Daí que, se o mundo não acabar dia 21, em 2013 será bom conhecer a China e as obras de arte dos Chef.s brasileiros.
 
Aninha Franco em Dia 21, Trilhas, Revista Muito, A Tarde, 16.12.2012.

domingo, 4 de novembro de 2012

Na cracolândia, sem gato

Todas as grandes metrópoles brasileiras viram explodir nos últimos três ou quatro anos uma bomba relógio em suas regiões centrais: as cracolândias. O tema tem sido frequentemente agendado pela imprensa, chegando às primeiras páginas dos jornais, às manchetes dos sites e às escaladas dos telejornais em pelo menos três momentos distintos recentes: quando a prefeitura de São Paulo tentou remover literalmente da noite para o dia os usuários de crack da região do Bom Retiro, quando um dependente de crack no centro de Curitiba virou febre nas redes sociais graças ao fato de ser bonitão, branco e ter olhos claros, e quando, recém-eleito, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, resolveu que era hora de enfrentar a sua cracolândia. 

O crack, como qualquer pessoa sensata sabe, representa hoje uma questão tentacular, multifacetada e extremamente complexa para qualquer gestor público. Há até mesmo governantes que prefiram pegar uma ponguinha no problema para atribuir os índices vertiginosos de homicídios em seus territórios ao consumo e tráfico do crack. Em Salvador, não faz muito tempo, estampou-se outdoors   exibindo o pé de um cadáver ilustrando a informação de que 80% dos homicídios da cidade eram em decorrência do crack. Sim, o crack é um problema de segurança pública, de saúde pública, de saúde mental, tema de ampla inquietação social e que exige, inclusive, a ação do Ministério Público, do poder Judiciário, para que seja conduzido com o mínimo de equilíbrio diante da infinidade de polêmicas que gera, como, por exemplo, quando se trata da questão de prender ou internar e se tal internação deve ou pode ser voluntária ou involuntária. Mas daí a considerá-lo como o elemento responsável por 80% dos homicídios na grande Salvador, ‘menos, cara pálida, menos’.

O fato, no entanto, é que a gestão que se formata a partir do resultado das urnas há uma semana não pode adiar um dia sequer, já na fase de transição, a inclusão do debate sobre o enfrentamento do crack e das cracolândias em Salvador. Salvador é uma cidade essencialmente turística e não adianta chamar os deuses e artistas coroados da terrinha abençoada por Senhor do Bonfim para fazerem, mesmo de graça, uma campanha publicitária para trazer visitantes para a cidade,  se quando estes colocarem um pé no Pelourinho forem recepcionados por zumbis dispostos a qualquer coisa para trocar por uma pedra de crack na próxima viela. 


E como não se pode esquecer que o mundo tem um pezinho e meio na hipocrisia ariana, é bom lembrar que nas cracolândias da Bahia de Todos os Santos e Orixás não há crackeleiro gato com teor de apelo suficiente para que clínicas de desintoxição do Brasil inteiro se interessem em fazer merchandising como aconteceu com o tal ‘mendigo gato’ de Curitiba, adotado imediatamente. O tal só teve o tratamento que teve pelo tom de pele, pelos traços nórdicos e pela cor dos olhos. Até sua nomenclatura foi alterada, pois deveria atender, sobretudo pela imprensa, pelo que de fato é/era: um crackeleiro branco.
 

Malu Fontes. Jornalista e professora da FACOM / UFBA.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Imagina depois da Copa
Jeonju é daqueles lugares que não soem figurar nos sonhos de férias dos brasileiros. A cidade, porém, já foi sede de Copa do Mundo, há dez anos, quando o Brasil levou o penta.
Espetada nos cafundós da Coreia do Sul, Jeonju tem um famoso bibimbap (prato com arroz e vegetais) e nenhum aeroporto comercial. Quem foi acompanhar os jogos lá precisou viajar por terra --desde Seul, são três horas de ônibus.
No quesito aeroportos, os coreanos optaram por investir em Incheon, na Grande Seul. Fazia sentido para eles. Vive ali quase metade da população do país, que queria abocanhar conexões aéreas na Ásia (Incheon ganha há sete anos seguidos o título de melhor aeroporto do mundo).
Já para os brasileiros, além da melhorar os aeroportos, o que faz sentido neste Mundial?
Bem ou mal, as metrópoles daqui passam pela maior transformação urbana conjunta já vista no país. O debate na eleição dos "prefeitos da Copa" parece, no entanto, versar sobre outro planeta.
Graças ao evento, os eleitos terão poder maior do que o normal, indica estudo divulgado no mês passado nos EUA.
Com anos de pesquisa sobre o efeito de Copas e Olimpíadas, o professor Victor Matheson, da Holy Cross, escreveu: "O melhor que pode ser dito dos megaeventos é que permitem aos governantes superar dificuldades políticas para investir em infraestrutura".
Eduardo Paes, anfitrião reeleito da final da Copa e dos Jogos no Rio, chegou a conclusão semelhante sem desgastar tanto os neurônios.
"Esse negócio de Olimpíada é sensacional, preciso usar como desculpa para tudo", disse ele ao "TV Folha". "Tem coisa que tem a ver com a Olimpíada. Tem coisa que não tem nada a ver, mas eu uso."
Usa para quê?
Paes poderia ter respondido num encontro que houve só para isso no Rio, mas não deu as caras. Como não apareceu o também reeleito Marcio Lacerda quando esse debate chegou a BH.
Proposto por ONGs em 11 das 12 sedes (Brasília não tem prefeito), ele tinha o tema "Copa, Olimpíada e eleições: qual o legado social para a sua cidade?".
Não dá para esperar que a resposta venha dos pitacos da Fifa. Seu relatório técnico sobre a candidatura brasileira, em 2007, proclamava que São Paulo tem uma "extensa rede de metrô" e que nossos aeroportos podem receber a Copa "confortavelmente".
A mesma entidade agora é invocada ao arrancar dinheiro do BNDES até para aeroportos a centenas de quilômetros da Copa. Em terra de cego, a "exigência da Fifa" reina.
O bate-estacas em curso nas cidades ressoou pouco nesta eleição --em São Paulo, foi abafado pelo kit gay. Talvez sinal de fracasso coletivo em planejar metrópoles melhores para viver. Se nem na Copa conseguimos, imagine depois.
Roberto Dias é editor de Novas Plataformas.
Folha de S. Paulo, em 20/10/2012. 

domingo, 21 de outubro de 2012

O Arco-íris eleitoral,

A Baía não está dividida entre azul e vermelho. Não se enganem os políticos. E nem todo azul é rico e nem todo vermelho é pobre. Se há cores eleitorais no Brasil, elas são da cor de políticos, da cor de eleitores e da cor de humanos em processo. Os políticos eram eleitos e se tornavam proprietários do Estado. E brigavam, desesperadamente, para estender a permanência. Os eleitores votavam, se revoltavam, e reclamavam. Ah! Como os eleitores se queixaram de tudo, desde sempre, há tanto tempo.

Os políticos eleitos para executar e fiscalizar, e os funcionários concursados para vigiar e punir os eleitos, pagos com salários diretos, indiretos e muito prestígio, são, sempre foram, alérgicos a criticas. Houve tempo em que era impossível criticar. O Correio Nagô pagava contas telefônicas astronômicas. As televisões filmavam os fatos que, editados, privilegiavam interesses. Mas existe a verdade? Indagou, agora, um neurônio religioso. Nem Jota Cê respondeu a isso. Calou-se porque estava cansado da dor, alegou um neurônio humano, demasiado humano. Poderia ter dito que verdade é o relato mais próximo de um fato.

Sobre eles, os fatos, os jornais se dividiam em oposição e situação. Posição era raro. Ainda é. E entre os fatos, as lendas e as fábulas, com uma ditadura, quase pontual, desencaminhando as conquistas, o Brasil, a rainha que a lucidez escondeu, caminhava. Aí, humanos em processo tomaram gosto pela posição e se tornaram eleitores. As redes sociais abriram seus portais para todas as posições, e cada mural é um jornal que, lido e freqüentado, pode fazer um estrago internacional em questão de segundos. Como se vê, nada mais está dividido entre azul e vermelho. Há um arco-íris nas disputas.
 Aninha Franco, Trilhas da Revista Muito de 21 de outubro de 2012.

domingo, 14 de outubro de 2012

Entre o Curso e o Discurso

O Caos do Brasil Colônia era sem luz. A vontade era reprimida, sempre, com violência letal. Entre o Curso e o Discurso, havia o Poder teocrático e o militar, um nutrindo o outro de patrimônio e almas. Edmar Bacha, criador da expressão Belíndia para explicar o Brasil, com poucos brasileiros com IDH Belga e milhares com IDH indiano, está de livro novo na praça mostrando que a desigualdade brasileira deu seu maior salto durante a última ditadura, com os “milagres econômicos” dos milagreiros Bulhões, Simonsen e Delfim Neto.

As conquistas se esgueiraram entre os Poderes teocrático e militar, entre a cruz e o baraço, entre o fulejo e o porrete, esbarrando, sempre, no controle populista do querer coletivo. O Povo ainda desconhece essa história, a verdadeira, a de muito sangue e muita exploração, que um dia há de se reler, com clareza, expondo as dificuldades de alcançar uma democracia de Curso, para além do discurso. Não nos enganemos. A miséria e a ignorância ainda são os melhores negócios do País, as que geram mais lucros, mas há direções ao curso, disperso pela violência e cooptação dezenas de vezes.

A eficácia do Poder Judiciário revela-se, clara, independente, julgando o Poder Executivo no Poder e o condenando, como é natural. E nas eleições, nelas, que surpreendem a cada dois anos, vê-se o Curso derrotar o Discurso, com vagar, mas sem esmorecimento. A ameaça teocrática de Russomano foi derrotada, temporariamente, pela briga pueril do PSDB com o PT, que prejudica o País desde 1994. Mas é bom ficar alerta. A teocracia é incansável. A gestão de Eduardo Paes (RJ) venceu no primeiro turno todos os apoios estelares a Freixo, porque Paes iniciou, sem discurso, nos últimos quatro anos, o curso que Freixo prometeu fazer nos próximos quatro.

Os números que Dilma Rousseff conquistou combatendo a corrupção, em 2011, foram derrotados pelos cursos de Eduardo Campos, em Pernambuco, e de Aécio Neves, em Belo Horizonte, cidades de estados com IDH crescentes. Os cursos derrotaram o discurso de Lula, que enfraquece a cada má gestão que ele avaliza. Como quem deve ganhar, sempre, é a Sociedade, que todas as vitórias e todas as derrotas sirvam, exclusivamente, à sua vitória.
Aninha Franco, Trilhas, Revista Muito, A Tarde, 14.10.2012.

sábado, 13 de outubro de 2012

Conhecimento Prévio
O conhecimento prévio é o nosso repertório, são os nossos conhecimentos adquiridos anteriormente, que fazem parte de nossa memória e inteligência e que utilizamos quando estamos diante de uma situação nova, de um novo aprendizado.
Vejam a importância do Conhecimento Prévio para a leitura desta charge.
Ótima Leitura!
 

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O texto a seguir é um pouco longo, mas sua leitura se faz necessária pelo alto poder de argumentação.

Ótima leitura!

A solidariedade "macabra" dos programas populares da Bahia

Henrique Mendes

Pratos recheados de assistencialismo, dramaticidade, hilaridade e musicalidade compõem o cardápio do almoço na TV baiana. Com ingredientes que perpassam a solidariedade, o ideal de justiça e a espetacularização da notícia, os programas de pretensões populares - que alguns chamariam de popularescos - têm dominado a televisão da Bahia, sob o louvor de um público grandioso e a incredulidade de profissionais que atuam nas universidades de jornalismo e variadas especialidades do Direito.

Desde que esses programas começaram a ganhar força no Estado, principalmente com a estreia do Programa Na Mira (TV Aratu, afiliada do SBT), em 2008, discussões sobre os limites das abordagens jornalísticas e reiterações dos principios que regem os Direitos Humanos passaram a ser confrontados.

Hoje, com três programas apenas no horário do almoço (Se Liga Bocão, na Record Bahia; Brasil Urgente, na Band Bahia; e Na Mira, na TV Aratu), tais discussões saem das telas de TV, das universidades e dos reguladores judiciais, alcançando as ruas. Quais são os constrangimentos causados pela violência e pela morte? Qual o poder e dever do jornalismo? Qual a real obrigação do Estado?

Ruas - A dona de casa Rosimeire Barbosa Santos, 45 anos, moradora do bairro de Jardim Cruzeiro (Cidade Baixa), costuma ligar sua TV na hora do almoço e assistir ao programa "Se Liga Bocão". Entre um intervalo e outro gosta de dar uma espiada no Bahia Meio Dia, na emissora afiliada da Rede Globo. "Sinto que Bocão tem uma tendência policial, indo fundo nos problemas passados nos bairros. O outro tem uma tendência mais social. Meu controle (remoto) passeia pelos dois canais", relata sua experiência televisiva.

De forma crítica, a dona de casa avalia que há exageros na forma com a notícia é exposta e apresentada nos programas da Record Bahia, considerando exagerada a forma como repórteres abordam os presos, mesmo desconhecendo as participações dos suspeitos nos crimes.

Em contrapartida, também pontua que é por meio desta programação que os moradores de bairros mais pobres se identificam. "Infelizmente, já vi vários conhecidos sendo presos nestes programas. É por meio deles que a realidade destes bairros pode ser observada", relata.

Também posicionando-se como telespectadora dos programas populares, a trabalhadora doméstica Alda Stella Rocha da Silva, 47, moradora do Vale das Pedrinhas, procurou a Record Bahia e TV Aratu, com a esperança de encontrar o pai, sumido desde o dia 30 de maio. "Minha procura segue por todos os cantos da cidade. Esses programas são a minha esperança", desabafa.

Telas - Os relatos das ruas inspiram Pablo Reis, diretor do programa Na Mira. "Fazemos diagnósticos diários sobre os contéudos apresentados e, a partir disto, apresentamos pautas contundentes. Mais do que com situações, trabalhamos com temas", explica.

Também formado em jornalismo, o diretor de TV não nega que o programa já tenha cometido erros, principalmente em sua gênese. "Por termos sido o primeiro a destacar a segurança pública como tema central, acabamos nos ajustando com a experiência. Por exemplo, se alguém era preso por suspeita de roubo, dizia-se que era ladrão. Hoje temos maior segurança ao tratar destes assuntos", acrescenta.

Pablo revela que o programa já assinou Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), por meio de exigências do Ministério Público (MP), e está mais consciente do seu papel, respeitando inclusive quando o suspeito de um crime não quer aparecer. "Mas, há uma coisa que sempre digo ao repórteres: Do mesmo jeito que os direitos de quem é entrevistado deve ser respeitado, o do jornalista não deve ser esquecido. Eu acho que não podemos nos censurar de perguntar", argumenta.

Em meio à entrevista a pergunta: - Se o problema da segurança pública afeta a todos - independente de classe social - por que os personagens centrais das histórias contadas são sempre pobres e moradores da periferia? Será que é porque esse público desconhece os direitos de permanecerem calados?

Contundente, o diretor afirma: "Não posso falar por outras emissoras, mas quanto ao nosso trabalho afirmo que do Corredor da Vitória à Periperi, todos são tratados da mesma forma. Quem afirma o contrário, critica pelo que ouve falar, não pelo que é exibido", conclui.

Misérias - Os profissionais que pesquisam este tipo de programação - tanto nas universidades, como nas associações de defesa dos Direitos Humanos - não só discordam do diretor de TV, Pablo Reis, como cobram da Justiça ações efetivas de combate a exploração da miséria humana nos programas baianos.

Segundo o jornalista Pedro Caribé, diretor nacional do Intervozes (associação civil sem fins lucrativos) e integrante do Conselho Estadual de Comunicação, os direitos inviduais estão acima da liberdade de expressão. "Não consigo ver uma função social. O público acaba gostando destes programas porque são meios por onde se veem na sociedade do espetáculo. Eles nunca aparecem como fontes técnicas, só como protagonistas de tragédias", considera.

Para o ativista, o discurso de que tais programas combatem a violência não é verdadeiro. "Do ponto de vista da análise do discurso, eles incitam comportamentos violentos ao mostrar a ideia de um "sistema bruto", onde o que importa entre o céu e a terra é o "na mira estar entre eles", compara os jargões.

Outra fantasia apresentada por esses programas, segundo Caribé, é de que estão mostrando a verdade, nua e crua. "A verdade é e pode ser construída de diversas formas. Pelo que veiculam, a vida das pessoas pouco importa, a não ser a audiência", completa.

Macabro - Conforme o diretor da Faculdade de Comunicação da Bahia (Facom) e coordenador do Centro de Estudos em Análise do Discurso e Mídia (Cepad), Giovandro Ferreira, pode-se dizer que estes programas fazem jornalismo quando se leva em conta que reportam as novas do dia (por isso a função do repórter), comumente relacionados a casos de segurança. "Entretanto, uma coisa é informar e outra coisa são as notícias que são divulgadas e o deserviço que prestam", pondera.

Além disso, o pesquisador pontua que o ser humano se interessa pela morte, motivo que centraliza a audiência desta programação, como também se interessa pela origem da vida e pela vida após a morte. "O problema não é abordar estes assuntos, mas sim a forma como se aborda", salienta.

Para Giovandro, as delegacias tornaram-se locais de espetáculo midiático. "Há uma convergência de erros em torno dessa aberração vista: a omissão dos poderes públicos e empresas privadas (financiadores)", avalia.

Assim como o diretor da Facom, o jornalista Caribé acredita que há uma total inoperância da Justiça na avaliação destes programas, já que as imagens são feitas, em grande maioria, nas próprias delegacias. Para ele, as portarias que acabam controlando o acesso da imprensa nestes espaços, permitem que os delegados avaliem se vale ou não que os presos sejam expostos na imprensa. "Eles nunca entrevistariam um "rico" sem a intermediação de advogado. Do outro lado, os programas incitam que os pobres, suspeitos de crimes, criem provas contra si mesmo", argumenta.

Diante de tantos "palpites" - das ruas, das telas e das universidades - faltou o argumento do Ministério Publico do Estado sobre o assunto. Procurada pela equipe de A TARDE, a assessoria da unidade não emitiu um parecer sobre o assunto até o fechamento desta matéria.


http://atarde.uol.com.br/cultura/noticia. Acesso em: 12 de junho de 2012, às 15h02.