quinta-feira, 15 de abril de 2021

Redação ENEM 2020 / Nota 1.000

 

(sem título)

 

                 No filme estadunidense “Coringa”, o personagem principal, Arthur Fleck, sofre de um transtorno mental que o faz ter episódios de riso exagerado e descontrolado em público, motivo pelo qual é frequentemente atacado nas ruas. Em consonância com a realidade de Arthur, está a de muitos cidadãos, já que o estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira ainda configura um desafio a ser sanado. Isso ocorre, seja pela negligência governamental nesse âmbito, seja pela discriminação dessa classe por parcela da população verde-amarela. Dessa maneira, é imperioso que essa chaga social seja resolvida, a fim de que o longa norte-americano se torne apenas uma ficção.

                 Nessa perspectiva, acerca da lógica referente aos transtornos da mente no espectro brasileiro, é válido retomar o aspecto supracitado quanto à omissão estatal nesse caso. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o Brasil é o país com maior número de casos de depressão da América Latina e, mesmo diante desse cenário alarmante, os tratamentos às doenças mentais, quando oferecidos, não são, na maioria das vezes, eficazes. Isso acontece pela falta de investimentos em centros especializados no cuidado para com essas condições. 

Consequentemente, muitos portadores, sobretudo aqueles de menor renda, não são devidamente tratados, contribuindo para sua progressiva marginalização perante o corpo social. Esse contexto de inoperância das esferas de poder exemplifica a teoria das Instituições Zumbis, do sociólogo Zygmunt Bauman, buque as descreve como presentes na sociedade, mas que não cumprem seu papel com eficácia. Desse modo, é imprescindível que, para a completa refutação da teoria do estudioso polonês, essa problemática seja revertida.

                Paralelamente ao descaso das esferas governamentais nessa questão, é fundamental o debate acerca da aversão ao grupo em pauta, uma vez que ambos representam impasses para a completa socialização dos portadores de transtornos mentais. Esse preconceito se dá pelos errôneos ideais de felicidade disseminados na sociedade como metas universais. Entretanto, essas concepções segregam os indivíduos entre os “fortes” e os “fracos”, em que os fracos, geralmente, integram a classe em discussão, dado que não atingem os objetivos estabelecidos, tal como a estabilidade emocional. Tal conjuntura segregacionista contrária o princípio do “Espaço Público”, da filósofa Hannah Arendt, que defende a total inclusão dos oprimidos — aqueles que possuem algum tipo de transtorno, nesse caso — na teia social. Dessa maneira, essa celeuma urge ser solucionada, para que o princípio da alemã se torne verdadeiro no país tupiniquim.

                  Portanto, são essenciais medidas operantes para a reversão do estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira. Para isso, compete ao Ministério da Saúde investir na melhora da qualidade dos tratamentos a essas doenças nos centros públicos especializados de cuidado, destinando mais medicamentos e contratando, por concursos, mais profissionais da área, como psiquiatras e enfermeiros. Isso deve ser feito por meio de recursos liberados pelo Tribunal de Contas da União — órgão que aprova e fiscaliza feitos públicos—, com o fito de potencializar o atendimento a esses pacientes e oferecê-los um tratamento eficaz. Ademais, palestras devem ser realizadas em espaços públicos sobre os malefícios das falsas concepções de prazer e da importância do acolhimento das pessoas doentes e vulneráveis. Assim, os ideais inalcançáveis não mais serão instrumentos segregadores e, finalmente, a situação de Fleck não mais representará a dos brasileiros.


 Júlia Sampaio
https://vestibular.brasilescola.uol.com.br/
Acesso em: 15 de abril de 2021, às 14h59.



 

domingo, 28 de março de 2021

Salvador, Cidade-Texto

 

No dia 29 de março de2021, Salvador irá completar 472, cidade fundada, em 1549, por Tomé de Sousa, governador-geral do Brasil.

Na sua fundação, segundo o site https://www.calendarr.com/, recebeu o nome de São Salvador da Bahia de Todos os Santos. Isso porque a primeira expedição exploratória chegou no dia 1º de novembro, dia de Todos dos Santos. Depois disso, por ocasião da sua fundação, o rei de Portugal mandou fazer uma homenagem a Jesus Cristo, de modo que ao nome se juntou São Salvador.

Além de primeira cidade do Brasil, foi em Salvador também onde se constituiu a primeira sede da administração colonial portuguesa do nosso país, assim considerada a primeira capital do Brasil até 1763, quando a mesma foi transferida para o Rio de Janeiro.

Conhecida principalmente pelo Carnaval e pela sua gastronomia com influência africana, Salvador comemora o seu aniversário com música e muitos eventos culturais variados, tal como feiras de arte e exposições.

O texto que você vai ler, a seguir, é uma belíssima homenagem à Roma Negra, epíteto cunhado por Mãe Aninha, fundadora do Ilê Axé Opó Afonjá.

Atenção especial à proposta de reflexão dos autores sobre a nossa cidade constante no último parágrafo do texto.

Salve, Salvador!

Cidade-texto

Sempre existiu uma íntima relação entre a literatura e a cidade. Na história, os dois fenômenos – escrita e cidade – ocorrem quase que simultaneamente. Por outro lado, é evidente o paralelismo que existe na possibilidade de empilhar tijolos / construir cidades e agrupar letras formando palavras para representar sons e ideias. Construir cidades significa também uma forma de escrita. Sempre presente nas indagações e nas angústias dos escritores, a cidade é sempre tessitura, trama da experiência literária. Seja a cidade natal, seja a cidade grande, sempre em torno da cidade o escritor, o artista, constroem sua vida pessoal e, consequentemente, sua obra literária. Sendo a cidade o cenário de nossa vida cotidiana, nós somos parte dela, da urbe – somos urbanos.

É na cidade e através da escrita que se registra a acumulação de conhecimentos. Na cidade-escrita, habitar ganha uma dimensão completamente nova, vez que se fixa em uma memória que, ao contrário da lembrança, não se dissipa com a morte. A cena escrita da cidade permanece. E não são somente os textos que a cidade produz e contém (documentos, registros, mapas, plantas baixas, inventários) que fixam essa memória. A própria arquitetura urbana escreve a história da cidade. O desenho das casas e das ruas, das praças e dos templos, além de contar a experiência daqueles que os construíram, revela o seu mundo. É por isso que as formas e tipologias arquitetônicas podem ser lidas e decifradas como se lê um texto. A arquitetura da cidade é, ao mesmo tempo, continente e registro da cultura urbana. É como se a cidade fosse um imenso alfabeto, com o qual se montam e desmontam palavras e frases. É precisamente essa dimensão que permite ser o próprio espaço da cidade o encarregado de contar sua história.

Tanto as manifestações culturais populares e eruditas quanto as igrejas, os monumentos, qualquer produto arquitetônico, as praças e jardins, o traçado das ruas e caminhos, os arquivos e museus, as obras de arte, os fazeres e as peculiaridades do comportamento social, a paisagem e os vestígios arqueológicos podem estar reunidos no cenário da cidade. Tudo isso constitui, na cidade, as suas referências, a sua memória e a sua identidade. A cidade é o espaço da história e da cultura. É na cidade que se produz a arte.

E é essa história, com o cenário de Salvador, o objeto de muitas obras literárias de Jorge Amado, dentre as quais a Bahia de Capitães da Areia, dos Pastores da Noite, de Tenda dos Milagres, da vida amorosa de Dona Flor e seus Dois Maridos e de A morte e a morte de Quincas Berro d’água. É tema também dos versos satíricos de Gregório de Matos e Guerra, que retratam a velha metrópole do século XVII.

Lugar de nossas lembranças e de nossas emoções, cidade do Terceiro Mundo, fundada há 450 anos, Salvador foi a primeira capital portuguesa da América, e o seu Centro Histórico o primeiro aglomerado urbano do Brasil. Seus símbolos e significados do passado se interceptam com os do presente, construindo uma rede de significados móveis. Em Salvador, o passado existe porque faz parte do presente.

É nesse presente, mais precisamente na década de 90, que Salvador passou por uma das mais vastas e profundas operações urbanísticas de que se têm notícias no mundo – a revitalização do seu Centro Histórico, em torno do Pelourinho. Será o novo Pelourinho um engano a desafiar nossa leitura do texto da cidade?

                                                                                                 Silva, M. A. da. & Pinheiro, D. J. F. 1999.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

A poesia africana de Maimona


Segundo o site https://www.cartamaior.com.br, a música e a poesia africanas de língua portuguesa têm como marca um forte acento telúrico, além de ser uma arte de reivindicação e de denúncia da situação de penúria e exploração que muitas vezes se constata no continente. É uma arte de tons românticos sublinhados, quando não, em algumas ocasiões, exacerbados, sem que isso necessariamente importe em queda de qualidade, como pode ser percebido na poesia do poeta angolano João Maimona.

Nesse contexto, a poesia de Maimona surpreendeu. Maimona nasceu em 1955. Quando jovem esteve exilado no Zaire. Retornou a Angola em 1976, e formou-se médico veterinário. Alguns de seus livros são: “Idade das palavras”, “Traço de união”, “Quando se ouvir os sinos das sementes”, “As abelhas do dia”, “Trajectória obliterada”. Sua poesia tem um toque de João Cabral de Melo Neto e outro de Drummond.

Veja, a seguir, um exemplo da poesia lancinante de Mimona e observe, também, o início djavaniano do poema.

Belíssimo!

As muralhas da noite

A mão ia para as costas da madrugada.
As mulheres estendiam as janelas da alegria
Nos ouvidos onde não se apagavam as alegrias.

Entre os dentes do mar acendiam-se braços.

Os dias namoravam sob a barca do espelho.
Havia uma chuva de barcos enquanto o dia tossia.
E da chuva de barcos chegavam colchões,
Camas, cadeiras, manadas de estradas perdidas
Onde cantavam soldados de capacetes
Por pintar no coração da meia-noite.

Eram os braços que guardavam as muralhas
Da noite que a mão ouvia nas costas
Da madrugada entre os dentes do mar.

Acesso em: 4 de fevereiro de 2021, às 16h04.

sábado, 2 de janeiro de 2021

Arroz de festa

Duas explicações costumam ser dadas para essa expressão. A tradição de jogar arroz nos noivos na saída de um casamento é uma delas. A pessoa designada como arroz de festa estaria presente em tudo quanto é evento, assim como a chuva de arroz estaria lá em tudo quanto é casório.

Já para Câmara Cascudo – e ele era especialista em expressões desse tipo – a culpa é do arroz-doce. A sobremesa era quase obrigatória nas festas do século 14, dado o paladar dos portugueses e brasileiros.

Logo o acepipe* virou sinônimo daquelas pessoas que não perdem uma confraternização por nada. Como o arroz-doce aos poucos deixou de ser a principal guloseima, a expressão se modificou e deixou no seu lugar o arroz de festa.


 https://super.abril.com.br/
Acesso em: 2 de janeiro de 2021, às 13h09.

* Palavra usada, aqui, a meu ver, incorretamente, uma vez que o seu significado é “Refeição servida antes do prato principal para abrir o apetite; petisco”. Arroz doce, como o próprio texto citou, é um tipo de sobremesa.


sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

"Dar o calote"

Com duas prováveis origens, calote vem do francês “cullote” ou do próprio português “calo”, tendo o mesmo sentido:  não pagar uma dívida. No francês, “cullote” designa as pedras que os parceiros não puderam colocar em jogo.

De acordo com Deonísio da Silva, “o mais provável é que tenha vindo de ‘calo’ – fatia de queijo ou de melão que o vendedor ofertava nas feiras ao comprador, para que este experimentasse o sabor. Se um aproveitador, zombando do vendedor, comia e não pagava, dava o calote.”

Calote não é inadimplência, como sinônimos. De acordo com os dicionários de nossa Língua Portuguesa, calote é uma palavra popular; significa “dívida que se contraiu sem possibilidade ou intenção de pagar”.

Inadimplência é o oposto da adimplência; é um termo jurídico; significa o “não cumprimento de um contrato ou de uma obrigação no prazo estabelecido”.

O adjetivo “inadimplente” tem relação com “pleno”, “plenitude”, antecedido do prefixo com valor negativo “in”. Em outras palavras, algo que “não foi pleno tornou-o inadimplente”.

 Diogo Arrais

https://exame.com
Acesso em: 4 de dezembro de 2020, às 20h21