domingo, 17 de julho de 2016


                                                              
Ler devia ser proibido

A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido.

Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Don Quixote e Madame Bovary. O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram meteu-se pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e amores cortesãos.

Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.

Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais?

Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido.

Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas.

Não, não dêem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, pode levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não contem histórias, pode estimular uma curiosidade indesejável em seres que a vida destinou para a repetição e para o trabalho duro.

Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma verossimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade.

O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas lêem por razões utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos, manuais etc. Observem as filas, um dos pequenos cancros da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem magicamente transportados para outras dimensões, menos incômodas. E esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é mais subversivo do que a leitura?

É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em metrôs, ou no silêncio da alcova… Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um.

Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos.

Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para executar ordens, a palavra é inútil.

Além disso, a leitura promove a comunicação de dores, alegrias, tantos outros sentimentos… A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida.

Ler pode tornar o homem perigosamente humano. 

Guiomar de Grammont

quarta-feira, 13 de julho de 2016


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A Ironia

Ironia é, segundo definição do Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda, um “modo de exprimir-se que consiste em dizer o contrário daquilo que se está pensando ou sentindo...”

Este recurso pode ser empregado em qualquer tipo de texto: carta, editorial, relato de entrevista, história em quadrinhos, roteiro de filme, propaganda, descrição de ambiente dentre outros. Nesta postagem, veremos uma carta-argumentativa. E como exercício, tente descobrir quem é o destinatário da carta do jornalista Clóvis Rossi.

Veja, a seguir, um bom exemplo de um texto elaborado com o recurso da ironia.

Ótima Leitura!

www.geradormemes.com

Petição ao presidente
                                                                                                                                       Clóvis Rossi

São Paulo – Caríssimo presidente, é com enorme constrangimento que lhe escrevo esta carta, a pedido de minha filha. Ela se entusiasmou com a informação de que o seu governo prepara-se para dar socorro financeiro a alguns bancos (sem falar na redução de impostos) e passou a achar que tem o mesmo direito.
      Alega que acabou de nascer seu segundo filho e que as despesas inevitáveis vão deixá-la “na maior dureza”. Tentei argumentar que esse linguajar é inadequado. Se ela ao menos dissesse que está passando por “uma crise de liquidez”, como certos bancos, seria mais facilmente entendida. Mas não adianta, presidente. O linguajar da moçada de hoje é esse mesmo.
      Também procurei demonstrar que o pedido dela é injusto. Afinal, ela é professora, profissão que, no Brasil, como o senhor sabe, goza de salários elevadíssimos e privilégios sem conta.
      Já os bancos, coitados, estão sofrendo muito. Só os nove maiores grupos privados tiveram, em 1993, um lucro líquido de apenas US$ 1 bilhão. Como conseguem fazer para sobreviver é algo que não entendo.
      Mas minha filha definitivamente não tem a mesma consciência social e argumentou: “Se os bancos podem, eu também posso. Afinal, a lei é igual para todos”.
      Não sei onde ela aprendeu conceitos tão subversivos, meu Deus. Deve ter sido algum professor de esquerda, desses empenhados em destruir os pilares da organização social e política brasileira.
      Só falta agora essa menina pretender passar pela alfândega sem revisão de bagagem de praxe, justo no seu governo, presidente, que, nesse ponto, é da maior inflexibilidade, não é?
      Por mais que argumentasse, não consegui demovê-la. Por isso, estou sendo obrigado a enviar-lhe esta carta. Só o faço porque tenho certeza de que o senhor está em posição de me entender. Sabe, melhor do que ninguém, que coração de pai é como o seu governo em relação aos bancos: absolutamente incapaz de resistir ao menor pranto.
      Certo de sua compreensão, aguardo um socorro tão rápido quanto o que está para ser concedido aos bancos.
                                                                                                           (Folha de S. Paulo, 29/7/94)

sábado, 9 de julho de 2016


A página em branco

Levante a mão aquele que nunca se desesperou diante de uma página em branco! Seja uma folha de papel ou a tela de um computador, este vazio diante de nossos olhos possui um poder implacável.

Grandes autores já registraram suas angústias e seus temores sobre este momento em que tudo parece conspirar contra o escritor. Escritor, aqui, registre-se, no sentido amplo da palavra. O filósofo alemão, Rob Riemen, em seu livro Nobreza de espírito, comenta que "... as horas tornavam-se longas quando o papel ficava em branco.", para o grande Thomas MannCarlos Drummond de Andrade refletiu sobre a capacidade de a folha em branco deixar impotente o produtor textual no ato inicial da escrita de um texto.

Seja literária ou não literária, a construção textual é um caminho a ser projetado, construído e revisto em cada etapa de sua criação. Fiquemos, neste momento, com uma reflexão sobre o processo de construção do texto não literário, do gênero dissertativo-argumentativo, haja vista a sua importância em vários contextos da sociedade contemporânea.

Diferentemente da fala, na qual o usuário não se encontra restrito a um determinado espaço e dispõe de recursos, por exemplo, de corrigir qualquer ato falho que venha a cometer no processo comunicativo; na escrita, o produtor textual está subordinado a convenções linguísticas e discursivas que ele deve seguir, a fim de conseguir o seu objetivo.


Quem escreve deve ter na mente, com clareza, o que irá dizer, para quem dizer e como dizer. O que irá dizer se refere ao tema a ser abordado, à tese defendida por seu autor e aos argumentos que serão utilizados, a fim de conseguir a adesão do interlocutor, por isso se deve produzir uma argumentação consistente e irrefutável.


É preciso, também, que se tenha uma imagem do leitor, porque será este que irá determinar a linguagem a ser utilizada pelo produtor textual. Em textos dissertativo-argumentativos, o uso da variante padrão é obrigatório.

Como dizer talvez venha a ser a maior dificuldade encontrada pelo produtor textual. Para se diminuir a tensão deste momento, o escritor deve atentar aos seguintes aspectos: primeiro efetuar uma leitura atenta dos textos motivadores – se houver, é claro! – que algumas instituições colocam em provas para mobilizar e ampliar o conhecimento do candidato a respeito do assunto. Em seguida, ler o tema proposto, buscar as palavras-chave do enunciado e, em seguida, verificar as informações e conhecimentos disponíveis em sua bagagem cultural e que sejam significativos para o interlocutor.

Agora o caminho se encontra pavimentado, e o produtor em condições para começar a escrever o seu texto. E como dissemos que todo texto é um processo de construção, o produtor deverá fazer uma revisão textual, antes de considerá-lo pronto.

Boa caminhada!

Paulo Jorge

segunda-feira, 4 de julho de 2016


Desvios da fala


Ocorrem em nossas interações sociais orais diversas divergências entre o modo com que pronunciamos determinadas palavras e o que recomenda a variante padrão da Língua Portuguesa, motivadas por vários aspectos, como, por exemplo, a facilidade de pronúncia de determinados fonemas, uma melhor sonoridade, dentre outras causas.

Listamos, a seguir, um TOP 10 entre as palavras mais utilizadas pelo falante que se desviam da variante padrão da Língua Portuguesa.

Boa Leitura!


1) MENOS: esta palavra só possui uma forma, independente se o termo a que ela se  refira é masculino ou feminino,  singular ou plural.
EX. Isto é menos verdade, meu amigo.
Menos pessoas apareceram no jogo de hoje.

2) RUBRICA: a palavra é paroxítona, entretanto muitos pronunciam como se o som mais forte da palavra estivesse na antepenúltima sílaba, ou seja, fosse uma proparoxítona, o que não acontece.
Ex Por favor, coloque aqui a sua rubrica.

3) EU / MIM: quando uma frase possuir um verbo terminado em AR / ER / IR e exigir sujeito, o uso deve ser EU e não MIM. Caso contrário, utiliza-se MIM.
Ex. Este trabalho é para eu fazer o mais rápido possível.
Foi o que disse para mim o gerente.

4) GRATUITO: o falante pensa que o fonema (letra) “i” não faz parte da segunda sílaba da palavra, o que não é verdade, ela faz, sim: gra-tui-to.
Ex. O passeio de bicicleta é gratuito.

5) RECORDE: possivelmente influenciado pelo seu som de origem, muitos a pronunciam como se a primeira sílaba fosse a mais forte, não é, pois se trata de uma paroxítona.
Ex. Nadador baiano bate recorde em prova aquática.

6) IBERO: trata-se uma paroxítona, pois a sílaba tônica se encontra no meio da palavra.
Ex. Tempos atrás, ocorreu um encontro ibero-americano, em Salvador.

7) TEX: certamente obedecendo à lei do menor esforço, o usuário da língua a pronuncia como se a sílaba tônica fosse a última. Na verdade, trata-se de uma paroxítona.
Ex. Obtém-se o látex a partir das seringueiras.

8) NOBEL: a palavra possui o som mais forte na última sílaba, mas o falante supõe ser a primeira.
Ex. Em 1998, José Saramago, escritor português, recebeu o Nobel de Literatura.

9) MENDIGO: condicionado pela grande nasalidade existente na Língua Portuguesa, muitos falantes pronunciam, incorretamente, “mendingo”.
Ex. Os mendigos necessitam de mais atenção das prefeituras e da sociedade.

10) PRIVILÉGIO: provavelmente, muitas pessoas pensam que a melhor sonoridade presente em “previlégio” faz dela a pronúncia correta, mas é um equívoco.
Ex. O acesso à educação de qualidade deve ser privilégio de todos.

Abraços Fraternos,

Paulo Jorge

domingo, 26 de junho de 2016

Segundo seu criador, o agrônomo e publicitário Alexandre Beck, "O personagem Armandinho nasceu da pressa do jornal Diário Catarinense, em 2010, quando precisava de três histórias de quadrinhos para o dia seguinte. O personagem, que tem traços simples e, à época, não tinha nome, já estava desenhado. Bastou desenvolver a história para publicar no dia seguinte."

Tirinha de enorme sucesso no Facebook e semelhante a Mafalda, Armandinho se mostra um questionador das ações e comportamentos sociais, quase sempre tendo como interlocutores os seus pais, embora Beck afirme que seus filhos foram a fonte de inspiração para a criação do personagem.

Veja, a seguir, cinco momentos nos quais Armandinho reflete, com ternura, os homens em sociedade.

Ótima Leitura!


Tirinhas retiradas do seguinte endereço: http://tirasarmandinho.tumblr.com/

quarta-feira, 22 de junho de 2016


O texto de hoje é de autoria de uma das escritoras referenciais da literatura brasileira. Clarice Lispector. Nele, ao mesmo tempo em que declara seu amor à Língua Portuguesa, Clarice nos dá uma aula de beleza e refinamento linguístico.

Ótima Leitura!


Declaração de amor

Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.

Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Ás vezes se assusta com o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la — como gostava de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a galope.

Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E esse desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar para sempre uma herança de língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.

Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.

Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.


Abraços Fraternos,

Paulo Jorge

quinta-feira, 16 de junho de 2016


O texto, a seguir, me foi enviado pelo jornalista e meu amigo Julio Gomes e posto aqui em razão da criatividade no manuseio da produtora textual com a Língua Portuguesa.

Alie-se à criatividade, a competência literária, pois o texto atiça a nossa imaginação ao provocar imagens de grande poder de sedução.

Credita-se a sua autoria, a uma aluna da UFPE - Universidade Federal de Pernambuco, em um concurso promovido pela instituição, para professor titular da cadeira de Gramática da Língua Portuguesa.

Desnecessário dizer que a autora foi aprovada no referido concurso; certamente, com louvor.



Amor gramatical

Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal.

Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar.

O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto.

Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar.

Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto.

Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula; ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros.

Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta.

Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, sub-tônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história.

Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal. Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto. Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos.

Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-três. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.

O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à Língua Portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.

Abraços Fraternos!

Paulo Jorge

Obs.: Telas de Wassily Kandinsky, artista plástico russo. (1866 / 1944)

segunda-feira, 6 de junho de 2016

A Arte de Descrever

Descrever significa apresentar características de seres materiais ou imateriais, humanos ou inanimados, de modo objetivo ou subjetivo.

De forma objetiva, utilizamos predominantemente substantivos concretos e com adjetivos pospostos, uma linguagem denotativa ou referencial, frases curtas, em ordem direta e visão imparcial sobre o ser descrito.
 

Observe:

“Tenho 14 anos. Sou morena, de olhos pretos e cabelos castanhos e encaracolados. Tenho 1,57m de altura e peso 54kg. Estudo no CEEP Isaías Alves, no turno matutino.”

Já subjetivamente, utilizamos essencialmente substantivos abstratos com adjetivos antepostos, uma linguagem conativa com a presença da função poética da linguagem e uma visão parcial do ser analisado.
 

Veja:

“Eu não tinha esse rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim amargo,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.”

Agora, observe um exercício de descrição proposto por um material de Leitura, Interpretação e Produção Textual, veiculado pelo Correio da Bahia, em parceria com a Consultec, há alguns anos:

“Escolhe-se um objeto qualquer, para descrevê-lo de forma mais sensorial possível, sem dizer de que objeto se trata. Utilizando a visão, o tato, a audição, o paladar e o olfato, a gente dá pistas ao leitor sutilmente, conseguindo, assim, treinar nossa capacidade descritiva e desalienar as automatizações que decorrem de substituirmos as características das coisas, dos objetos, pelos nomes que possuem. Os nomes classificam, organizam, traduzem o mundo, mas, ao mesmo tempo, podem torná-lo excessivamente rotulado, pronto, destituído de personalidade, de singularidade na maneira única e intransferível com que cada um de nós o percebe.”

O exercício, aqui, é você tentar descobrir qual ser ou objeto está sendo descrito. A resposta correta você encontrará no final deste texto. Não vale a “pesca”, hein?!


Ex. 1
“Basicamente este objeto é um nariz, não muito pontudo. Pode assumir lugares variados, mas sempre estratégicos. Este objeto é uma janela por onde não se vê nada, uma janela que esconde os mistérios das estruturas. Um nariz tem dois buracos, mas este pode ter quatro ou até mais, depende do uso. A distância entre as narinas é padronizada. É a chegada de um intrincado caminho por onde transita o ar do homem moderno. É o sexo das paredes.”

Ex. 2
“Este objeto pode ter vários cheiros, cheiros artificiais, químicos, novos, ou então do que mais gosto: aromas mágicos, assim como bolor, poeira, uma poeira de ideias, poeira fina que é gostosa de se tirar com os dedos, vendo a cor aparecer aos poucos, nítida, convidativa. Para se apreciar esse objeto é preciso tempo, abri-lo devagar, ir consumindo lenta e preguiçosamente, até que o apetite se torne voraz e seja impossível largá-lo. Quando é consumido até o fim, ele se “renova” e ganha uma conotação saudosa, de tesouro bem guardado, do qual a gente às vezes se lembra e corre pra ver se está no mesmo lugar, se nos diz a mesma coisa.”

Abraços,

Paulo Jorge
 

Resposta: Na sequência, tomada de parede e livro.