Armando Nogueira, o futebol e a sociedade
Mas se em
Nelson Rodrigues a veia política se mostra ferina e corrosiva; em
Armando Nogueira, ela advém do inusitado, do inesperado da situação
esportiva. E com um refinamento humorístico que não deixou herdeiros na
crônica esportiva brasileira.
O justo é um texto antológico.
Ótima leitura!
O justo
O treinador reuniu a turma no vestiário e escalou doze: onze e o goleiro. O capitão do time estranhou, avisando que havia gente demais. O técnico, porém, sustentou a escalação:
— Isso é problema do juiz, o teu é jogar e tentar ganhar a partida.
E lá se foi o time para o campo.
Cinco
minutos de jogo, a torcida começou a gritar, alertando o árbitro: “O
Pipira tem doze!”. O árbitro interrompeu a partida, contou os times e
deu uma bronca no capitão, que, por sua vez, passou a bola ao treinador:
— Fala co’ home ali.
O juiz foi
ao técnico e mandou retirar o excedente. Uma confusão tremenda na pista.
O técnico chamou o árbitro para uma conversa em particular. Saíram os
dois na direção do centro do campo. A torcida, aos berros, descompunha
todo o mundo pelo atraso.
Os dois isolados no grande círculo, o técnico pôs a mão no ombro do juiz e entrou nas explicações:
— O problema
é o seguinte: eu sou um homem de cinquenta anos, estreando na
profissão. Eu sou novo aqui na terra. Acontece que, hoje de manhã, o
presidente do clube me deu um bocado de nome pra pôr no time. Dois são
protegidos do delegado, quatro do comandante do destacamento, o goleiro é
filho do gerente do banco, o presidente diz que os dois pontas-de-lança
têm que jogar de qualquer maneira. Eu fui escalando, escalando...
— É, mas passou da conta — diz o árbitro, inflexível.
— E eu não
sei que passou? Ia ser mais. Por sorte, o sobrinho do prefeito amanheceu
com o pé inchado e pediu ao tio para não jogar. Se não, entravam treze.
— Bom, mas para começar o jogo, o senhor tem que tirar logo um... — diz o juiz.
— Eu tirar
um? Deus me livre. Tire o senhor. Por mim o time joga com doze. Se o
senhor está dificultando, vai lá o senhor e tira um, escolhe lá um. O
mais que eu posso fazer é colaborar com o senhor. Por exemplo, não tire
nem o cinco nem o seis, que dá bolo com o chefe de polícia. E o pior é
que agora eu já confundi tudo: não sei mais se o oito é gente do
comandante do destacamento ou se é o filho do gerente do banco...
O árbitro encarou o técnico do Pipira, enfiou o apito no bolso e saiu como uma fera:
— Doze contra, comigo, não. Doze contra onze, só se me expulsarem da Liga.
Parou diante do banco dos reservas do Serrinha F. C. e dirigiu-se ao técnico, sentencioso como nunca:
— Carvalho, bota mais um dos teus homens em campo, Carvalho. Eu tenho horror a injustiça.
Armando Nogueira. www@filologia.org.br
Abraços Fraternos!
Paulo Jorge
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