Luis Fernando Veríssimo, o futebol e a família
A crônica esportiva desta semana possui a autoria de um torcedor fanático pelo futebol e pelo Sport Club Internacional, de Porto Alegre.
Exímio observador, Veríssimo investiga em suas crônicas o comportamento da sociedade brasileira, a partir da presença recorrente do núcleo familiar, normalmente composto por um pai, uma mãe e um filho / filha, como pode ser visto em Sexa, Férias, Festa de criança, As mentiras que os homens contam dentre outras histórias.
Atualmente, o escritor gaúcho mantém uma coluna diária no jornal O Globo e, às vezes, escreve textos de humor para programas humorísticos da TV Globo.
Na crônica que reproduzimos hoje - Aquela bola -, o cronista traz de novo o núcleo familiar desta vez inserido em um contexto de futebol. Observe que, ao narrar uma cena capital de um jogo de futebol ocorrido entre filho do narrador e os colegas, Veríssimo faz uma crítica ao comportamento social do brasileiro, acrescente a isso, a sempre presente diversão com a Gramática da Língua Portuguesa.
Ótima leitura!
Aquela bola
Na volta do
jogo, o pai dirigindo o carro, a mãe ao seu lado, o garoto no banco de
trás, ninguém dizia nada. Finalmente o pai não se aguentou e falou:
– Luiz Otávio… – começou a dizer a mãe, mas o pai continuou:
– Foi a bola do jogo. Você não dividiu, perdeu a bola e eles fizeram o gol.
– Deixa o menino, Luiz Otávio.
– Não. Deixa o menino não. Ele tem que aprender que, numa bola dividida como aquela, se entra pra rachar. O outro, o loirinho, que é do mesmo tamanho dele, dividiu, ficou com a bola, fez o passe para o gol e eles ganharam o jogo.
– O loirinho se chama Rubem. É o melhor amigo dele.
– Não interessa, Margarete. Nessas horas não tem amigo. Em bola dividida, não existe amigo.
– E se ele machucasse o Rubem?
– E se machucasse? O Rubem teve medo de machucar ele? Não teve. Entrou mais decidido do que ele na bola, ficou com ela e eles ganharam o jogo.
– Você está dizendo para o seu filho que é mais importante ficar com a bola do que não machucar um amigo?
– Estou dizendo que em bola dividida ganha quem entra com mais decisão. Amigo ou não.
– Vale rachar a canela de um amigo pra ficar com a bola?
– Vale entrar com firmeza, só isso. Pé de ferro. Doa a quem doer.
– É apenas futebol, Luiz Otávio.
– Aí é que você se engana. Não é apenas futebol. É a vida. Ele tem que aprender que na vida dele haverão várias ocasiões em que ele terá que dividir a bola pra rachar e…
– Haverá – disse Rogério, no banco de trás.
– O quê?
– Acho que não é “haverão”. É “haverá”. O verbo haver não…
– Ah, agora estão corrigindo meu português. Muito bem! Eu não sou apenas o pai insensível, que quer ver o filho quebrando pernas pra vencer na vida. Também não sei gramática.
– Luiz Otávio…
– Pois fiquem sabendo que o que se aprende na vida é muito mais importante do que o que se aprende na escola. Está me ouvindo, Rogério? Um dia você ainda vai agradecer ao seu pai por ter lhe ensinado que na vida vence quem entra nas divididas pra valer.
– Como você, Luiz Otávio?
– O quê?
– Você dividiu muitas bolas pra subir na vida, Luiz Otávio? Não parece, porque não subiu.
– Ora, Margarete…
– Conta pro Rogério em quantas divididas você entrou na sua vida. Conta por que o Simão acabou chefe da sua seção enquanto você continuou onde estava. Conta!
– Margarete…
– Conta!
– Eu estava falando em tese…
Luis Fernando Veríssimo
Abraços Fraternos,
Paulo Jorge
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