sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Armando Oliveira, o Futebol e o Torcedor

No encerramento da publicação de crônicas que possuem o futebol como tema, convocamos para a “grande final” um jornalista pelo qual nós baianos com mais de trinta temos um imenso carinho e respeito. Armando Oliveira.

Demasiadamente humano, Armando escreveu não apenas sobre futebol, mas também registrou o universo cotidiano de pessoas simples, com rara sensibilidade.

No livro Crônicas de Armando Oliveira, do qual foi retirada a crônica desta semana, Guido Guerra afirma sobre o jornalista: “Fascina-me também, e talvez mais, o universo ficcional que criou nas páginas do Jornal da Bahia, na coluna amenidades, pela qual se transportava da Massaranduba, onde se movimentavam seres extuantes (sic) de vida como Dona Miúda e o compadre, mais o mundo de insinuações que os cercava.

E esse ambiente com seus personagens plenos de humanidade você, Leitor, poderá conferir nesse texto publicado na década de 70, no antigo Jornal da Bahia.

Um show de bola regado com humor e baianidade.

Ótima leitura!


A tragédia tricolor

A barra, no famoso solar de Massaranduba, anda mais pra Lúcifer que pra Irmã Dulce.
Desde a noite do último domingo que Antônio Bispo ingressou numa mudez de deixar o Dr. Falcão com inveja, só abre a boca pra comer e, assim mesmo, sem aquela voracidade habitual.
Dona Miúda, coitada, embora sabedora das causas que levaram o compadre a arriar todos os pneus, cair na fossa, entrar numa de horror, teme puxar conversa, ainda mais que não dispõe de argumentos muito consoladores.
Ontem, porém, a loquacidade feminina fez-se intolerável e ela, após três tossidelas de advertência, resolveu cutucar a fera com vara curta:
– Se ficar calado resolvesse alguma coisa, Deus não fazia a gente nascer com língua!
– Hum!
– Eu sei que foi 1x1, deu no jornal, no rádio e na televisão, não precisa você ficar se martirizando...
– Em quem falou em desgraça de futebol aqui, diga?
– Então eu não sei esta tromba toda é por causa do Bahia!
– Acho bom a senhora não mexer com quem está no seu quieto, por favor, tá bem!
– Engraçado, quando o Ypiranga do finado perde, você fica dando risada, não respeita nem a memória do falecido...
– Que comparação mais besta, comadre, tenha paciência!
– Esse povo do Bahia é muito cheio de nove horas, ganha quase todo dia e não suporta nem empatar...
– Isso é problema nosso, não interessa a ninguém!
– Peraí, não engrossa não, que eu também parto pra ignorância!
– Será que a senhora não compreende a minha dor, não respeita a minha mágoa, não entende o meu drama?
– Eu, hein, esconjuro!
– A senhora sabe o que é cem mil pessoas preparando uma festa e, no fim, dar jegue!
– É, mas quando a Seleção perdeu a Copa, você quase nem ligou...
– E a senhora quer comparar aquela Seleção fajuta com o glorioso Esporte Clube Bahia?
– Fala baixo, homem, cuidado que essas palavras pode dar bode!
– Pode nada, comadre, depois do que aconteceu domingo, desgraça pouca eu tiro de letra!
– Mas não disse que o Bahia fez uma boa campanha, deu no rádio?
– Foi o doutor Paulo Virgílio Maracajá Pereira quem falou isto.
– Quem?
– O doutor Maracajá, aquele que fala em quatro rádios e duas televisões ao mesmo tempo...
– Misericórdia!
– Segunda-feira eu não tive coragem de ouvir rádio, o sofrimento era demais...
– Deve ter sido ele, foi um com uma voz de lamentação que me deu pena...
– Não me conformo, comadre, a gente ser desclassificado por um time que tinha até Vanuza!
– E ela não tava de barriga?
– Um time cheio de mutreta, disse que o presidente deles meteu a mão no dinheiro, uma vergonha!
– E o Bahia não vai protestar?
– Sei lá, comadre, parece que nossa diretoria não suporta ouvir falar nesta palavra “protesto”...
– Por que será, hein?
– Antigamente a gente partia firme pro “tapetão” e ganhava todas!
– Disse que o Leão deu uma dentada no Beijoca, foi verdade?
– Pois é, mordeu o nosso ídolo no joelho, mas lá na Argentina ele não dividia uma!
– Valha-me Deus!
– E ainda me arranjaram um juiz estrangeiro, com um nome danado de complicado, parece que é até alemão!
– O mal é esse compadre, chegam esses gringos não sei de onde e fazem o que querem aqui na Bahia!
– Ninguém toma uma providência e fica tudo por isso mesmo!
– O negócio agora, como disse o homem da rádio, é sair pra outra!
– É, mas este negócio de “sair pra outra” parece até desculpa da torcida do Vitória...

Crônicas de Armando Oliveira, págs. 88 - 90.
EGBA / Governo do Estado da Bahia. 2006.

Abraços Fraternos,

Paulo Jorge

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