domingo, 30 de setembro de 2012

DEUS!

Reflexão extraordinária de Epicuro que atravessa os tempos. Apenas para refletir. Sem dogmas.


segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Este texto de João Ubaldo Ribeiro estabelece uma reflexão crítica sobre as excrescências que, volta e meia, aparecem na produção textual de alguns insanos. Leia com prazer e atenção...

Paralimpíadas é a mãe

Certamente eu descobriria no Google, mas me deu preguiça de pesquisar e, além disso, não tem importância saber quem inventou essa palavra grotesca, que agora a gente ouve nos noticiários de televisão e lê nos jornais. O surpreendente não é a invenção, pois sempre houve besteiras desse tipo, bastando lembrar os que se empenharam em não jogarmos futebol, mas ludopédio ou podobálio. O impressionante é a quase universalidade da adoção dessa palavra (ainda não vi se ela colou em Portugal, mas tenho dúvidas; os portugueses são bem mais ciosos de nossa língua do que nós), cujo uso parece ter sido objeto de um decreto imperial e faz pensar em por que não classificamos isso imediatamente como uma aberração deseducadora, desnecessária e inaceitável, além de subserviente a ditames saídos não se sabe de que cabeça desmiolada ou que interesse obscuro. Imagino que temos autonomia para isso e, se não temos, deveríamos ter, pois jornal, telejornal e radiojornal implicam deveres sérios em relação à língua. Sua escrita e sua fala são imitadas e tidas como padrão e essa responsabilidade não pode ser encarada de forma leviana.
Que cretinice é essa? Que quer dizer essa palavra, cuja formação não tem nada a ver com nossa língua? Faz muitos e muitos anos, o então ministro do Trabalho, Antônio Magri, usou a palavra "imexível" e foi gozado a torto e a direito, até porque ele não era bem um intelectual e era visto como um alvo fácil. Mas, no neologismo que talvez tenha criado, aplicou perfeitamente as regras de derivação da língua e o vocábulo resultante não está nada "errado", tanto assim que hoje é encontrado em dicionários e tem uso corrente. Já o vi empregado muitas vezes, sem alusão ao ex-ministro. Infutucável, inesculhambável e impaquerável, por exemplo, são palavras que não se acham no dicionário, mas qualquer falante da língua as entende, pois estão dentro do espírito da língua, exprimem bem o que se pretende com seu uso e constituem derivações perfeitamente legítimas.
Por que será que aceitamos sem discutir uma excrescência como "paralimpíada"? Já li alguns protestos na imprensa e na internet, mas a experiência insinua que paralimpíada chegou para ficar e ter seu uso praticamente imposto. Ao contrário dos portugueses, parecemos encarar nossa língua com desprezo e nem sequer pensamos em como, ao abastardá-la e ao subordiná-la a padrões e usos estranhos a ela, vamos aos poucos abdicando até de nossa maneira de ver o mundo e falar dele, nossa maneira de existir. Talvez isso, no pensar de alguns, seja desejável, mas o problema é que, por esse caminho, nunca se chegará à identificação com o colonizador que tanto se admira e inveja, mas, sim, à condição cada vez mais arraigada de colonizado, que recebe tudo de segunda mão, até suas próprias opiniões e valores.
Mas há um pequeno consolo em presenciar esse tipo de vergonheira servil. Consolo meio torto, mas consolo. Refiro-me ao fato de que nossa crescente ignorância não se limita a estropiar nossa língua, mas faz o mesmo com idiomas que consideramos superiores em tudo, como o inglês. Hoje isto caiu em desuso, mas smoking já foi aqui "smocking" durante muito tempo. Assim como doping já foi "dopping". Quanto a este, assinale-se que o som, digamos fechado, do O, em inglês, foi trocado aqui por um som aberto, é o dópin. O mesmo tipo de fenômeno ocorreu com volley, cuja primeira vogal em inglês é aberta, mas em brasinglês é fechada e já entrou no português assim.
No setor de nomes próprios, a vingança é mais completa. Em primeiro lugar, transformamos os sobrenomes deles em prenomes nossos e enchemos o País de jeffersons, washingtons, edisons (aliás, em brasinglês, Edson, como Pelé), lincolns, roosevelts e até mesmo kennedys e nixons. E não perdoamos os contemporâneos. Não só trocamos o H por E em Elizabeth, como até hoje há publicações que se referem a Margareth Thatcher, ou à princesa Margareth. Esse nome nunca teve H no fim, mas aqui é assim não só em muitos jornais quanto no caso de nossas meninas, como atesta o exemplo da minha linda e talentosa conterrânea Margareth Menezes. E das Nathalies que assim foram batizadas em homenagem a Natalie Wood. E dos Phellipes, inspirados no príncipe Philip, das Daianes da Diane, a lista não acaba.
De maneira semelhante, também alteramos não somente a pronúncia, mas as regras gramaticais do inglês. Por exemplo, é quase unânime, entre todos os numerosos militantes do brasinglês, a convicção de que qualquer plural inglês terminado em S deve ter essa letra precedida de um asterisco. Acho que é barbada apostar que, em todas as cidades brasileiras de médias para cima, serão encontrados pelo menos uma placa e cinco cardápios anunciando "Drink's". É mais chique e até o Galeão, não há muito tempo, tinha armários (lockers) de aluguel, encimados pelo letreiro "Locker's", o que fazia os falantes de inglês entender que os armários eram propriedade de um certo Mr. Locker. No Galeão, aliás, gate (portão) já soou como gay tea (chá gay) e shuttle service (ponte aérea) como chateau service (o que lá seja isso). Agora mudou, mas to (para) deu para sair um prolongado tchuu, que, a um ouvido americano, há de soar como uma onomatopeia de espirro ou partida de maria-fumaça.
Mas, até mesmo por causa ("por causa", não, por conta; agora só se diz "por conta", vai ver que vem do inglês on account of) dessas paralimpíadas, receio que as contraofensivas nacionais não serão suficientes para neutralizar a subordinação de nossa cabeça, através do incalculável poder da língua. Acho que, coletivamente, aspiramos a essa subordinação. Tem sido muito lembrado o complexo de vira-lata de que falou Nélson Rodrigues. Pois é, é isso mesmo e é também caminho seguro para sermos vira-latas de verdade.
João Ubaldo Ribeiro. O Estado de S. Paulo. Em 23 de setembro de 2012.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A PONTUAÇÃO
    
Os sinais de pontuação representam a tentativa de passar para a linguagem escrita as pausas que colocamos na comunicação oral. Relacionamos abaixo os mais representativos.

1) A VÍRGULA

    a- Utilizada nas datas e nos endereços:
        Ex. Salvador, 24 de agosto de 1998.
               Av. Barros Reis, 276.

    b- No vocativo, para separá-lo da frase:
        Ex. A vida, seu moço, tem dessas coisas.
              O tempo não é, meu amigo, aquilo que você pensou.

    c- Em termos relacionados:
        Ex. O cinema, o teatro, a praia e a música são as suas diversões.
                  
    d- No aposto, para separá-lo da frase:
        Ex. Castro Alves, poeta dos escravos, nasceu na Bahia.
              Salvador, primeira capital do país, irá completar 450 anos.

   e- Em certas expressões explicativas:  ISTO É,  POR  EXEMPLO,  OU  SEJA, ALIÁS, OU MELHOR, ENTÃO, ASSIM, ALÉM DISSO ETC.  
     
        Ex. Terminou a festa em minha cidade, isto é, a festa da padroeira.
              Distribuía vários tipos de objetos, por exemplo, livros importados.
                                      
     f- Separa os adjuntos adverbiais:
        Ex. Na minha rua, há um garoto triste.
              Ele vai, pouco a pouco, assumindo o papel que era do pai.
              Você, certamente, já tem candidato a governador.

    g- Isola algumas conjunções:
        Ex. A desculpa, entretanto, não foi suficiente para agradar o diretor.
              Ficarei com a casa; não posso, porém, pagá-la à vista.

    h- Indica Elipse de um termo:
        Ex. Nos jardins, flores mortas.
              Na queda, nenhum arranhão.

     i- Indica uma Zeugma:
        Ex. Meu irmão gosta de futebol; eu, de vôlei.
              Alguns políticos trabalham; outros, não.

     j- Separa orações coordenadas:
        Ex. Marcelo gritou, pois tinha quebrado o braço.
              
     l- Separa orações subordinadas adverbiais:
        Ex. Quando os brasileiros aprenderem a votar, este país irá melhorar.
               Irei ao teatro, se não houver outra opção.
                                 
  m- Separa orações subordinadas adjetivas explicativas:
        EX. Deus, que é nosso pai, indicará um caminho.
                 
   n- Separa orações iniciadas pela conjunção e, quando os sujeitos forem diferentes:
        Ex. Tirai o homem do mundo, e a ambição desaparecerá da Terra.
             “A mulher aceita o homem  por amor ao casamento, e  o homem tolera  o matrimônio por amor à mulher.”

   o- Separa orações reduzidas:
        Ex. Chegando o diretor, avise-me imediatamente!
              Terminada a conferência, foi nos oferecido um jantar.
              A prevalecer essa proposta, estamos arruinado.
          
  p- Separa termos deslocados de sua posição normal na oração:
       Ex. Um susto terrível, eu senti naquele momento.
             Desiludidos, os nordestinos abandonam suas casas.
     
             OBS. O poder da vírgula:
                        Ex. Perdoar, impossível mandar para a forca!
                              Perdoar impossível, mandar para a forca!
                                   
                 Esta empresa possui cem funcionários que moram no subúrbio.
                 Esta empresa possui cem funcionários, que moram no subúrbio.


2) PONTO-E-VÍRGULA

     a- Separa os itens de uma lei, um decreto, uma seqüência:
          Ex. INSTRUÇÕES:

a)   Leia todas as questões antes de respondê-las;
b)  Utilize apenas o seu material;
c)   Toda questão rasurada será anulada.

   b- Separa partes de um período que já se apresenta subdividido por vírgulas:
       
       Ex. Se o homem peca nos maus passos, paguem os  pés; se peca nas más  obras, paguem as mãos; se peca nas más palavras, pague a língua; se peca nos  maus pensamentos, pague a memória; se peca nos maus juízos, pague o  entendimento; se peca nos maus desejos e  nos maus afetos, pague a vontade.
                    
   c- Separa orações coordenadas que tenham certa extensão:
       
        Ex. Comprei seu livro de histórias no Congresso de Leitura; mas não o li ainda.
     
   d- Isola orações de mesma natureza:
       
        Ex. “Este é o dia de todos os santos; amanhã é o de todos os mortos.”


3) DOIS-PONTOS

    a- Apresenta uma citação:
        Ex. Papai sempre dizia: devemos ouvir os mais velhos.

    b- Aparece antes de apostos:
        Ex. A vida pode nos levar a duas forças terríveis: a ambição e a glória.

    c- Anuncia a fala de personagens:
        Ex. De repente, o menino levanta a cabeça e pergunta:
              – Papai, que é plebiscito?


4) RETICÊNCIAS

    a- Indica a suspensão da fala, interrupção de idéias, hesitação de quem fala.
        Ex. Os funcionários são competentes, mas a chefia...


5) PARÊNTESES

    a- Isola palavras explicativas:
        Ex. O indivíduo vai-se arrastando no estribo, agarrado aos balaústres (é um bondezinho dos antigos) à procura de um lugar seguro.

    b- Isola frases intercaladas:
        Ex. Saiu correndo, voltou depois (tinha dois ou três pingos de água na testa) com duas broas ainda quentes na mão.

               OBS.: Os parênteses podem substituir a vírgula e o travessão.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

SIMPLESMENTE, FANTÁSTICO!


BRASÍLIA - O julgamento do mensalão recomeça amanhã com uma excrescência: a réplica do relator Joaquim Barbosa e a tréplica do revisor Ricardo Lewandowski. Onde já se viu isso? Esse negócio de réplica e tréplica é coisa de debate de candidato na TV. Ministros do Supremo Tribunal Federal argumentam e votam. Condenam ou absolvem.

Muita coisa nesse julgamento, aliás, anda curiosa. Na estreia, Lewandowski surpreendeu tirando do bolso um voto imenso sobre matéria já vencida, o desmembramento da ação. No primeiro voto, surpreendeu de novo ao inverter a ordem estabelecida pelo relator Joaquim.

Começou pela condenação de Henrique Pizzolato, ex-diretor do BB, amortecendo assim a absolvição, no dia seguinte, de João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara, agora candidato do PT à Prefeitura de Osasco (SP).

Relevou as explicações capengas de João Paulo para os R$ 50 mil que recebeu de Marcos Valério (lembra da "conta da Net"?), bancando candidamente que foi para "pagar pesquisa". E desvinculou totalmente da licitação milionária que Valério ganhou em seguida da Câmara presidida por Cunha. Uma coisa foi uma coisa e outra coisa foi outra coisa?

Por menos que se diga isso com todas as letras, não há mais dúvidas entre jornalistas, advogados, ministros (e Lula?): o relator Joaquim tende a condenar todo mundo, e o revisor Lewandowski, a condenar a periferia para absolver os políticos do PT.

Está, portanto, consolidada a divisão do Supremo entre dois times: o da condenação e o da absolvição.

E, para apressar o ritmo e acabar com a tortura ainda neste ano, Joaquim serve de "escada" para quem quer condenar e Lewandowski, para quem quer absolver. Basta aos demais ministros declarar: "Voto com o relator" ou "voto com o revisor".

Com a saída de Cezar Peluso, já, já, o risco de empate aumenta perigosamente. O pior dos mundos.

Eliane Cantanhêde. Folha de S. Paulo. 26 de agosto de 2012.
Mentalidade colonial

Parece que foi há muito tempo, mas foi tudo ontem. É só lembrar que Canô, que festeja, hoje, 105 anos, chegou ao mundo 19 anos depois de extinta a escravidão, prática legal da colônia e do império.BR até 1888. A questão é que o processo de humanização é tão lento, tão a passos de preguiça, que remete a séculos. Isso porque a mentalidade colonial interessa a muitos brasileiros (?) e, com isso, prossegue ativa, praticada em lugares insuspeitos, investindo contra o pensamento, a criatividade e as novas mentalidades. A agressão aos criadores e pensadores, comportamento caracteristicamente colonial, persiste no cotidiano. Gregório de Mattos (1636.1695), evocado por cada baiano do século 21 no ataque, já estava nele, no século 17, mais desvalido que os criadores atuais, expulso da Baía sem permissão de voltar, sequer morto. Mas disse porque veio.

Castro Alves foi publicado aos 23 anos, ainda vivo. A primeira edição de sua obra completa é de 1921. A obra de Gregório esperou 237 anos pela publicação da Academia Brasileira de Letras (1933), sem seu conteúdo satírico, e 269 anos para vir à luz completa, transgressora e contemporânea. James Amado conseguiu fugir depois de publicar essa obra, resgate do conteúdo mais impactante que um poeta baiano já criou. Até hoje. O historiador Luiz Henrique Dias Tavares foi preso pela publicação. E tudo aconteceu em 1968. Ontem. Mas para orgulho dos dois, Tavares e Amado, “Triste Bahia” é o suspiro da Cidade.

O Brasil assassinou Glauber Rocha. Sua luta para criar e realizar é asfixiante para aqueles que lhe dedicam atenção. Projete-se nela e está explicada a colônia. Sua criação continua mantida à distancia do Povo, que ele enxergou com tanta clareza. Paulo Francis, autoexilado nos USA, enlouqueceu aos poucos, a cada texto publicado, tentando desconstruir a mentalidade colonial do País. Coitado! E outros, tantos outros caçados pela ditadura da mediocridade. Mas as idéias, o pensamento e as novas mentalidades, autóctones, e sem copismos, continuam de pé, combatendo sob o sol do país, e até sob o céu de muitos azuis da Cidade da Baía.

Aninha Franco, A Tarde, Trilhas, Revista Muito, 16.09.2012. 
      http://www.facebook.com/. Acesso em: 17 de setembro de 2012.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Os quatro poderes do Brasil

Sexta-feira, o Brasil festejou 190 anos de independência bizarra, proclamada por um português para separar-se de Portugal. Vocês conseguem acreditar nela? Nem eu. Nem na República de 1889 que implantou os Três Poderes. O Estado, hoje dividido entre quatro partidos, repartido entre outros 26, fiscalizado por um Judiciário apequenado pela ditadura, com Legislativos idiotas e um Mercado viciado em verbas públicas, sobrevive dos 193 milhões de Humanos que pagam impostos miraculosos com retornos insignificantes. A corrupção e a incompetência usam e abusam dessa grana.

É sabido que desde 1822 o Brasil não é mais colônia portuguesa, nem é, todo ele, colônia. Mas os seus cidadãos vivem em estado colonial. Se não souberem, descubram via web os significados das expressões derrama e quinto dos infernos e, em seguida, substituam Portugal, que arrancava tudo que o Brasil produzia, sem retorno, para repassar à Inglaterra, pelos três poderes concentrados em Brasília, e vocês terão o sistema colonial contemporâneo.

Os três Poderes e o quarto Poder, há muito tempo o Mercado, e não mais a Imprensa, estão no sistema imperial. Controlam a sociedade brasileira, a colônia, e seu patrimônio, administram montanhas de impostos recolhidos, e têm o domínio efetivo sobre tudo isso imperialmente. Legislam sobre os seus próprios direitos e sobre os deveres da Sociedade saqueada.

Membros do Poder Judiciário, que deveriam respeitar a Constituição, ferem seus artigos e recebem dez vezes o salário da presidente, atualmente refém de alianças espúrias e de um Poder legislativo comandado pelo mais asqueroso representante do Império, José Sarney, há 50 anos extraindo os ossos do Maranhão, e lhe impondo os piores índices de qualidade humana do país.
O Mercado, o quarto Poder, não se envolve muito com os sistemas. Preserva o lucro. Elege. Mas não é esperto o suficiente, ainda, para perceber que quanto mais educada uma Sociedade, melhor ela consome.

E a República? Bem, ela resiste pequena, em alguns lugares, tentando ampliar o pequeno círculo de respeito à vida pública brasileira.
Aninha Franco. Revista Muito, A Tarde, 9 de setembro de 2012.

domingo, 9 de setembro de 2012


O BRASIL DE PAULO FRANCIS,
by Aninha Franco
  
Este texto foi publicado na revista Muito – encartada no jornal A Tarde – no início do ano, mas reproduzo, aqui, porque é mais um bom recurso para discutirmos nossa Baianidade.


BAÍA DE TODOS OS MILAGRES

Salvador parece invadida pelo desejo coletivo de uma vida mais digna. Centro político e financeiro da colônia, de 1549 a 1763, quando a capital do Reino Unido mudou-se para o Rio, a Baía continua, ainda agora, repleta de hábitos coloniais. Todos os seus habitantes, com raríssimas exceções, sempre noticiarão um fato com o aviso anterior de “não diga a ninguém que fui eu quem disse”. Assim, as notícias baianas não têm autores. São parte da criação hipotética do Correio Nagô.

Sem individualismo responsável, o coletivismo inexiste, daí que o baiano concorre com outro baiano com selvageria e gasta dez mil réis para que seu semelhante, que deveria ser aliado, não ganhe cinco. Esse comportamento, detectado pelo governador Mangabeira (1886-1960) no século 20, é praticado hoje com a ferocidade de sempre. A sociedade baiana fragiliza-se também porque seus indivíduos raramente nascem. Eles estreiam em todas as áreas.

Pedreiros, eletricistas, chefes de cozinha surgem numa manhã e, numa semana, são alçados a gênios. Baianos há com sete profissões. João Henrique tornou-se alcaide da Baía por oito anos, depois de requerer liminares contra o horário de verão e o pagamento de estacionamento em shoppings. Por isso, talvez, nenhum baiano confie em outro baiano, a não ser com um aval forasteiro avalizando sua competência. Confiamos tão pouco em nós mesmos que nosso governador é carioca e o prefeito, feirense.

Acostumados aos milagres desde 1549, aos santos que choravam lágrimas de sangue, às súplicas em procissões pela chuva, pelo estio, pelo amor, pelo castigo aos inimigos, sacrificando em festas religiosas, dia e noite, os baianos acreditam pouco na própria humanidade. E menos ainda em si mesmos. A aversão apaixonada dos baianos pela Bahia é catártica, vide Gregório de Mattos (1633-1696) e Waly Salomão (1943- 1990), poetas do amor com ódio. Se controlarmos esses empecilhos ao coletivismo, poderemos lutar em defesa dos acarajés de Regina e Cira, da rabada de Alaíde, do peixe frito de Tia Maria, da natureza, que não nos custa nada, todos em perigo, razões mais que suficientes para nossa união.

Aninha Franco
Acesso em: 9 de setembro de 2012, às 12h14.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012


ENEM 2012 / 1

Redação


1) O que fazer:

Adequação ao tema: É essencial escrever o tipo de texto pedido (em geral dissertativo) e adequar a argumentação ao tema proposto. Sem isso, a redação nem é lida.

Repertório linguístico: Palavras bem usadas valorizam a ideia proposta na redação. Quem tem vocabulário rico tem mais chances de expressar-se melhor.

Estrutura e ligação: Boa organização das ideias, coesão e coerência no texto são fundamentais.

Respeito à língua: A atenção à gramática da norma culta é importante, mas os argumentos pesam mais. Se o conteúdo for muito bom, vai prevalecer sobre a forma, mas tem um peso, sim.

Repertório cultural: É importante que o candidato saia da previsibilidade, e para isso precisa de um repertório cultural que reflita sua experiência como leitor. A redação é o momento de o estudante apresentar sua bagagem interdisciplinar, além de se demonstrar bem informado.

O candidato pode pensar no tema proposto sob diversos prismas: "Esse assunto já foi abordado no cinema? A História pode me ajudar? O que sei sobre esse assunto?".

Para aumentar seu repertório, o aluno deve ler artigos de opinião e editoriais de meios de comunicação. Quem não está antenado à realidade não tem como discorrer sobre um tema se não tiver informações sobre ele.

Intertextualidade e boa argumentação: A intertextualidade, aliada a bons argumentos, enriquece a redação.

Leitura da proposta: Há candidatos com dificuldade para ler a proposta. Leem apressadamente as instruções ou deixam para ler no final, em cima da hora. Isso pode levar o aluno a incorrer em erros básicos que podem tornar a uma nota ruim ou mesmo à anulação da redação.

Citar fontes: O estudante deve citar algo apenas quando tiver certeza da fonte, e também não usar ideias dos outros como próprias. Se usar citações corretamente, ganha pontos, pois demonstra conhecimento de mundo.




2) O que não fazer:

Fugir do tema: Se há proibição no Enem é fugir à proposta, até porque cobra-se a interpretação da proposta nas instruções na redação.

Tentar escrever difícil: Escrever bem não é escrever bonito. Às vezes o vocabulário rebuscado e o excesso de palavras difíceis podem prejudicar o texto, porque demonstram impropriedade vocabular.

Senso comum: Se o candidato reproduz o senso comum, com frases feitas, de efeito ou expressões surradas, comunica à banca que também é comum: "Se cada um fizer sua parte, o mundo será melhor"; "É preciso que as pessoas se conscientizem". Depõe contra a redação e irrita o corretor.

Desvios da norma culta: Ainda que não sejam o único critério de avaliação, depõem contra a redação se forem muito grosseiros. Usar linguagem chula é descabido.

Posições individuais: Fazer referências demasiadas à própria experiência e opinião não é visto com bons olhos, afinal trata-se de uma dissertação, e não uma narrativa. Usar como argumentos experiências pessoais, tentar participar do texto e se dirigir ao leitor mostra despreparo do candidato. Os "achismos" são proibidos. Não se deve lançar mão de certas expressões como "eu acho" ou dar exemplo em que o próprio, sua casa ou sua comunidade, estão envolvidos. Os argumentos e exemplos devem fazer referência a todos, para denotar que o estudante está preocupado com questões gerais, globais e que afetam o coletivo, e não só com o que o atinge diretamente.

Opiniões polêmicas: Não se deve opinar contra os direitos humanos. Defender a pena de morte ou ser racista, por exemplo, é considerado erro grave. Candidatos se questionam se é preciso estar de acordo com o governo. Não é a questão. Corretores querem antes que candidato seja coerente com realidade solidária, com princípios humanos de convivência. Se é preciso evitar a proposição de medidas e comportamentos radicais, é vital que se posicionem com fundamentos.

Usar citações e referências de forma errada: Muitos candidatos acreditam que o simples fato de fazer uma referência ou citação a um pensador contará pontos a seu favor, quando é o contrário (caso a citação seja feita só para impressionar, sem conexão direta com o argumento).


Acesso em: 5 de setembro de 2012.