Este texto foi publicado na revista Muito – encartada no jornal A Tarde – no início do ano, mas reproduzo, aqui, porque é mais um bom recurso para discutirmos nossa Baianidade.
BAÍA DE TODOS OS MILAGRES
Salvador parece invadida pelo desejo coletivo de uma vida mais digna. Centro político e financeiro da colônia, de 1549 a 1763, quando a capital do Reino Unido mudou-se para o Rio, a Baía continua, ainda agora, repleta de hábitos coloniais. Todos os seus habitantes, com raríssimas exceções, sempre noticiarão um fato com o aviso anterior de “não diga a ninguém que fui eu quem disse”. Assim, as notícias baianas não têm autores. São parte da criação hipotética do Correio Nagô.
Sem individualismo responsável, o coletivismo inexiste, daí que o baiano concorre com outro baiano com selvageria e gasta dez mil réis para que seu semelhante, que deveria ser aliado, não ganhe cinco. Esse comportamento, detectado pelo governador Mangabeira (1886-1960) no século 20, é praticado hoje com a ferocidade de sempre. A sociedade baiana fragiliza-se também porque seus indivíduos raramente nascem. Eles estreiam em todas as áreas.
Pedreiros, eletricistas, chefes de cozinha surgem numa manhã e, numa semana, são alçados a gênios. Baianos há com sete profissões. João Henrique tornou-se alcaide da Baía por oito anos, depois de requerer liminares contra o horário de verão e o pagamento de estacionamento em shoppings. Por isso, talvez, nenhum baiano confie em outro baiano, a não ser com um aval forasteiro avalizando sua competência. Confiamos tão pouco em nós mesmos que nosso governador é carioca e o prefeito, feirense.
Acostumados aos milagres desde 1549, aos santos que choravam lágrimas de sangue, às súplicas em procissões pela chuva, pelo estio, pelo amor, pelo castigo aos inimigos, sacrificando em festas religiosas, dia e noite, os baianos acreditam pouco na própria humanidade. E menos ainda em si mesmos. A aversão apaixonada dos baianos pela Bahia é catártica, vide Gregório de Mattos (1633-1696) e Waly Salomão (1943- 1990), poetas do amor com ódio. Se controlarmos esses empecilhos ao coletivismo, poderemos lutar em defesa dos acarajés de Regina e Cira, da rabada de Alaíde, do peixe frito de Tia Maria, da natureza, que não nos custa nada, todos em perigo, razões mais que suficientes para nossa união.
Aninha Franco
Acesso em: 9 de setembro de 2012, às 12h14.
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