segunda-feira, 30 de maio de 2016

Linguagem Formal & Informal


Segundo o Dicionário Houaiss on-line, Provérbio – adágio, dito popular – é uma frase curta, geralmente de origem popular, rítmica e / ou rimada, rica em imagens, que sintetiza um conceito a respeito da realidade ou uma regra social ou moral.

Encontrados em abundância em nossa cultura, os provérbios representam para muitos de nós – principalmente para aqueles com mais de trinta anos – um repertório amplo, rico e pedagógico que contribui para a nossa formação pessoal, familiar e social.

Vivíssimos em minha lembrança afetiva, os ditados populares chamavam-me à atenção, porque era impressionante a recorrência de seu uso, principalmente pelas mulheres de nossa comunidade, a extinta Buracão, situada no bairro da Federação, que sumiu do mapa, para dar lugar a um insólito e triste viaduto que liga – ou separa?! – o bairro do Rio Vermelho à av. Vasco da Gama, aqui, em Salvador.

Lembro-me, certa vez, de que uma das minhas irmãs começou a se interessar por um garoto que não lhe retribuía as atenções. Ao perceber a situação, minha mãe dizia: “Cuidado, minha filha. Quem muito se abaixa o melhor aparece.” Ou para momentos em que demorávamos nas casas dos vizinhos: "Boa romaria faz, quem em sua casa está em paz.".

Alias, tempos em que, sem direito à voz, as mulheres falavam por meio da Conotação, em um exercício comunicativo que incitava a nossa imaginação.
 


Millôr Fernandes, desenhista, humorista, tradutor, escritor e dramaturgo brasileiro, dentre muitas de suas criatividades, reescreveu alguns provérbios bastante conhecidos em nossa oralidade, utilizando a linguagem formal, o que resultou em um humor estranho e, ao mesmo tempo, refinado.

Veja:

Ex. 1: “Quando o sol está abaixo do horizonte, a totalidade dos animais domésticos da família dos felídeos é de cor mescla entre preto e branco.
R. À noite, todos os gatos são pardos.

Ex. 2: “A criatura canonizada que vive em nosso próprio lar não é capaz de produzir efeito extraordinário que vá contra as leis fundamentais da natureza.
R. Santo de casa não faz milagre.

Agora é com você. Tente descobrir, a seguir, quais provérbios Millôr transcreveu para a variante formal da Língua Portuguesa. As respostas, você encontrará no final desta página.

 

a- “De unidade de cereal em unidade de cereal, a ave de crista carnuda, asas curtas e largas, da família das galináceas, abarrota a bolsa que existe nessa espécie por uma dilatação do esôfago e na qual os alimentos permanecem algum tempo antes de passarem à moela.

b- “Substância inodora e incolor que já se foi não é mais capaz  de comunicar movimento ou ação ao engenho especial de triturar cereais.

c- “Aquele que se deixa prender sentimentalmente por pessoa destituída de dotes físicos de encanto ou graça, acha-a extraordinariamente dotada desses mesmos encantos que os outros lhe não veem.”

d- “O traje característico que usa não identifica fundamentalmente a pessoa que, por fanatismo, misticismo ou cálculo, se isola da sociedade, levando vida austera e desligada das coisas mundanas.

Abraços Fraternos!

Paulo Jorge

Respostas:
 
a- De grão em grão, a galinha enche o papo.
b- Águas passadas não movem moinhos.
c- Quem ama o feio bonito lhe parece.
d- O hábito não faz o monge.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

MALVADOS

Publicadas no jornal a Folha de S. Paulo e no site http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/cartum/cartunsdiariosas, as tirinhas Malvados são assinadas pelo quadrinista André Dahmer Pereira, nascido no Rio de Janeiro, em14 de setembro de 1974. Normalmente, suas tirinhas não seguem uma linha cronológica e têm como personagens dois seres indefinidos, que são costumeiramente comparados a girassóis, saindo daí o apelido deles: "As flores do mal".

A seguir, reproduzimos aquelas postadas no jornal e site nos dias 23, 24 e 25/05/2016 e que refletem o atual momento político brasileiro.

Reflita e não passe mal!




quinta-feira, 26 de maio de 2016


Ao longo da realização da Copa do Mundo de Futebol, no Brasil, postamos aqui cinco crônicas esportivas de renomados escritores brasileiros, dentre eles, Luis Fernando Veríssimo, escritor gaúcho que tem a Língua Portuguesa e a Gramática, como dois de seus temas prediletos. É incrível a recorrência delas em sua produção textual, principalmente nas crônicas literárias.

O texto, a seguir, é mais um de Veríssimo com essa temática. Como provocação, desafio você, Leitor (a), tentar descobrir, nos dois últimos parágrafos, quem Veríssimo compara com a Gramática.

Aquilo que poderia resultar em algo vulgar nas mãos de outros; sob a pena de Luis Fernando Veríssimo, ganha humor, inteligência e refinamento.

Ótima Leitura!
 

Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha estiveram em minha casa numa mesma missão designada por seu professor de Português: saber se eu considerava o estudo da Gramática indispensável para aprender e usar a nossa ou qualquer outra língua. Cada grupo portava seu gravador cassete, certamente o instrumento vital da pedagogia moderna, e andava arrecadando opiniões. Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna, se descabelava diariamente com suas afrontas às leis da língua, e aproveitava aquela oportunidade para me desmascarar. Já estava até preparando, às pressas, minha defesa (“Culpa da revisão!”). Mas os alunos desfizeram o equívoco antes que ele se criasse. Eles mesmos tinham escolhido os nomes a serem entrevistados. Vocês têm certeza de que não pegaram o Veríssimo errado? Não. Então vamos em frente.

Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer “escrever claro” não é certo, mas é claro, certo?  O importante é comunicar. (E quando possível surpreender, iluminar, divertir, comover... Mas aí entramos na área do talento, que também não tem nada a ver com a Gramática). A Gramática é o esqueleto da língua. Só predomina nas línguas mortas, e aí de interesse restrito a necrólogos e professores de Latim, gente em geral pouco comunicativa. Aquela sombria gravidade que a gente nota nas fotografias em grupo dos membros da Academia Brasileira de Letras é de reprovação pelo Português ainda estar vivo. Eles só estão esperando, fardados, que o Português morra para poderem carregar o caixão e escrever sua autópsia definitiva. É o esqueleto que nos traz de pé, certo, mas ele não informa nada, como a Gramática é a estrutura da língua, mas sozinha não diz nada, não tem futuro. As múmias conversam entre si em Gramática pura.

Claro que eu não disse tudo isso para meus entrevistadores. E adverti que minha implicância com a gramática na certa se devia à minha pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português. Mas – isto eu disse – vejam vocês, a intimidade com a Gramática é tão dispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria. Sou um gigolô das palavras. Vivo às suas custas. E tenho com elas a exemplar conduta de um cáften profissional. Abuso delas. Só uso as que eu conheço, as desconhecidas são perigosas e potencialmente traiçoeiras. Exijo submissão. Não raro, peço delas reflexões inomináveis para satisfazer um gesto passageiro. Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por elas. Não me meto na sua vida particular. Não me interessa seu passado, suas origens, sua família nem o que outros já fizeram com elas. Se bem que não tenha também o mínimo escrúpulo em roubá-las de outro, quando acho que vou ganhar com isto. Algumas são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito.

Um escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel. Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa formalidade de um marido. A palavra seria sua patroa! Com que cuidados, com que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da impiedosa atenção de lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente, incapaz de uma conjunção. A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda.

Abraços Fraternos,

Paulo Jorge

domingo, 15 de maio de 2016


Difunde-se com frequência, pelo menos no Brasil, a crença de que a Língua Portuguesa é uma das mais difíceis do mundo, inclusive para nós, brasileiros. Daí a visão de que a dificuldade no manuseio pelos seus usuários estaria ligada à estrutura da nossa língua não só na oralidade mas também na escrita da variante padrão. É um equívoco. Todas as línguas apresentam suas especificidades que resultam em dificuldades para o falante e o produtor textual, em menor ou maior grau.

A polissemia, por exemplo, representa um recurso linguístico recorrente em várias línguas e demonstra a elasticidade que uma palavra ou expressão pode conter em sua semântica alimentada por seus usuários.
No texto desta semana, trazemos uma história que brinca com os sentidos da palavra “meia”, segundo usuários brasileiro e africano.

Ótima leitura!  


 Meia, Meia, Meia, Meia ou Meia?

Na recepção dum salão de convenções, em Fortaleza...
– Por favor, gostaria de fazer minha inscrição para o Congresso.
– Pelo seu sotaque vejo que o senhor não é brasileiro. O senhor é de onde?
– Sou de Maputo, Moçambique.
– Da África, né?
– Sim, sim, da África.
– Aqui está cheio de africanos, vindos de toda parte do mundo. O mundo está cheio de africanos.
– É verdade. Mas se pensar bem, veremos que todos somos africanos, pois a África é o berço antropológico da humanidade...
– Pronto, tem uma palestra agora na sala meia oito.
– Desculpe, qual sala?
– Meia oito.
– Podes escrever?
– Não sabe o que é meia oito? Sessenta e oito, assim, veja: 68.
– Ah, entendi, “meia” é “seis”.
– Isso mesmo, meia é seis. Mas não vá embora, só mais uma informação: A organização do Congresso está cobrando uma pequena taxa para quem quiser ficar com o material: DVD, apostilas, etc., gostaria de encomendar?
– Quanto tenho que pagar?
– Dez reais. Mas estrangeiros e estudantes pagam “meia”.
– Huummm! que bom. Ai está: “seis” reais.
– Não, o senhor paga meia. Só cinco, entende?
– Pago meia? Só cinco? “Meia” é “cinco”?
– Isso, meia é cinco.
– Tá bom, “meia” é “cinco”.
– Cuidado para não se atrasar, a palestra começa às nove e meia.
– Então já começou há quinze minutos, são nove e vinte.
– Não, ainda faltam dez minutos. Como falei, só começa às nove e meia.
– Pensei que fosse as 9h05, pois “meia” não é “cinco”? Você pode escrever aqui a hora que começa?
– Nove e meia, assim, veja: 9h30
– Ah, entendi, “meia” é “meia”.
– Isso, mesmo, nove e trinta. Mais uma coisa senhor, tenho aqui um fôlder de um hotel que está fazendo um preço especial para os congressistas, o senhor já está hospedado?
– Sim, já estou na casa de um amigo.
– Em que bairro?
– No Trinta Bocas.
– Trinta bocas? Não existe esse bairro em Fortaleza, não seria no Seis Bocas?
– Isso mesmo, no bairro “Meia” Boca.
– Não é meia boca, é um bairro nobre.
– Então deve ser “cinco” bocas.
– Não, Seis Bocas, entende, Seis Bocas. Chamam assim porque há um encontro de seis ruas, por isso seis bocas. Entendeu?
– Acabou?
– Não. Senhor é proibido entrar no evento de sandálias. Coloque uma meia e um sapato...
O africano enfartou...

Abraços Fraternos,

Paulo Jorge

domingo, 8 de maio de 2016

 Ao Leitor Atento - II

Na última postagem, vimos um texto que possui uma característica rara na Língua Portuguesa, ou seja, a inexistência de palavras construídas com a utilização da letra A, certamente o fonema mais importante da língua, pelo fato de ele ser apenas vogal e, diferentemente das outras semivogais, nunca uma semivogal nas construções silábicas. E como as consoantes e as semivogais não formam núcleo da sílaba, então o fonema A é o mais importante da Língua Portuguesa. Daí o inusitado daquela produção textual.

Hoje, trazemos o texto Não despertemos o leitor, de Mário Quintana, no qual o poeta gaúcho faz uma reflexão sobre os leitores e seus comportamentos, ao mesmo tempo em que coloca uma pedra no seu caminho, Caro (a) Leitor (a), pois incluiu em um dos parágrafos uma explicação absurda que deve chamar a atenção do leitor atento.

A fim de ampliar e enriquecer o seu percurso interpretativo, sugerimos que você responda as seguintes perguntas ao final da leitura:

Qual o entendimento que você faz do título do texto? Que conselho o autor dá para os escritores conservarem seus eventuais leitores? Você concorda com o autor a respeito da frase “Pois não é mesmo tão bom falar e pensar sem esforço?” Qual a diferença de postura entre o leitor dorminhoco, o leitor semidesperto e o leitor atento? 

Confira a sua resposta com a deste blogueiro, no final da postagem.

Mãos à obra e ótima leitura!



 Não despertemos o leitor

Os leitores são, por natureza, dorminhocos. Gostam de ler dormindo.

Autor que os queira conservar não deve ministrar-lhes o mínimo susto. Apenas as eternas frases feitas. “A vida é um fardo.” – isto, por exemplo, pode-se repetir sempre. E acrescentar impunemente: “disse Bias”. Bias não faz mal a ninguém, como, aliás, os outros seis sábios da Grécia, pois todos os sete, como há vinte séculos já se queixava Plutarco, eram uns verdadeiros chatos. Isto para ele, Plutarco. Mas, para o grego comum da época, deviam ser a tábua de salvação das conversas.

Pois não é mesmo tão bom falar e pensar sem esforço? O lugar-comum é a base da sociedade, a sua política, a sua filosofia, a segurança das instituições. Ninguém é levado a sério com ideias originais.

Já não é a primeira vez, por exemplo, que um figurão qualquer declara em entrevista: “O Brasil não fugirá ao seu destino histórico!”

O êxito da tirada, a julgar pelo destaque que lhe dá a imprensa, é sempre infalível, embora o leitor semidesperto possa desconfiar que isso não quer dizer coisa alguma, pois nada foge mesmo ao seu destino histórico, seja um Império que desaba ou uma barata esmagada.

Mário Quintana
Abraços Fraternos,

Paulo Jorge


R.... como, aliás, os outros seis sábios da Grécia, pois todos os sete...” Os sábios da Grécia eram seis ou sete?!


quinta-feira, 14 de abril de 2016

Ao Leitor Atento - I
 
De maneira ampla, leitura é um ato social praticado pelo indivíduo de interpretar a si próprio e o mundo, dentro de um contexto histórico, a partir de um ponto de vista. Condição essa essencial ao homem, pois suas leituras determinam a sua condição de ser e estar no mundo.

Na postagem desta semana, disponibilizamos um teste para você, Leitor (a), exercitar a sua competência leitora, ou seja, tente descobrir qual fato inusitado, raríssimo na Língua Portuguesa ocorreu nesta produção textual.

A resposta se encontra no final do texto.

Não vale a "pesca", hein?!


Como é que é?!*

Sem nenhum tropeço, posso escrever o que quiser sem ele, pois rico é o português e fértil em recursos diversos, tudo permitindo, mesmo o que de início, e somente de início, se pode ter como impossível. Pode-se dizer tudo, com sentido completo, como se isto fosse mero ovo de Colombo.

Desde que se tente sem se pôr inibido, pode muito bem o leitor empreender este belo exercício, dentro do nosso fecundo e peregrino dizer português, puríssimo instrumento dos nossos melhores escritores e mestres do verso, instrumento que nos legou monumentos dignos de eterno e honroso reconhecimento.

Trechos difíceis se resolvem com sinônimos. Observe-se bem: é certo que, em se querendo, esgrime-se sem limites com este divertimento instrutivo. Brinque-se mesmo com tudo. É um belíssimo esporte do intelecto, pois escrevemos o que quisermos sem o "E" ou sem o "I" ou sem o "O" e, conforme meu exclusivo desejo, escolherei outro, discorrendo livremente, por exemplo, sem o "P", "R" ou "F", ou o que quiser escolher. Podemos, em estilo corrente, repetir sempre um som ou mesmo escrever sem verbos.

Com o concurso de termos escolhidos, isso pode ir longe, escrevendo-se todo um discurso, um conto ou um livro inteiro sobre o que o leitor melhor preferir. Porém mesmo sem o uso pernóstico dos termos difíceis, muito e muito se prossegue do mesmo modo, discorrendo sobre o objeto escolhido, sem impedimentos. Deploro sempre ver moços deste século inconscientemente esquecerem e oprimirem nosso português, hoje culto e belo, querendo substituí-lo pelo inglês. Por quê?

Cultivemos nosso polifônico e fecundo verbo, doce e melodioso, porém incisivo e forte, messe de luminosos estilos, voz de muitos povos, escrínio de belos versos e de imenso porte, ninho de cisnes e de condores.
Honremos o que é nosso, ó moços estudiosos, escritores e professores. Honremos o digníssimo modo de dizer que nos legou um povo humilde, porém viril e cheio de sentimentos estéticos, pugilo de heróis e de nobres descobridores de mundos novos.

(Texto de livre circulação e sem autoria.)

Abraços Fraternos,

Paulo Jorge

* Título criado pelo blogueiro.


Resp.: O texto não possui a letra "A".

domingo, 28 de fevereiro de 2016


Na postagem anterior, falamos do Novo Acordo Ortográfico com relação, basicamente, à acentuação das palavras; nesta semana, vamos tratar de outras mudanças na Ortografia Oficial da Língua Portuguesa, às vezes, retornando às regras de acentuação.

Diferentemente do que muitos propagam, inclusive professores de Português, o acordo facilita a nossa produção textual. Reduziu-se o número de condições especiais, sem se perder, a meu ver, a autenticidade e a beleza da Língua Portuguesa.

Bons Estudos!

 
1) Alfabeto: ganha três letras: k, w, y

2) Trema: desaparece em todas as palavras: frequente, linguiça, aguentar etc.

3) Some o acento agudo no I e no U fortes depois de ditongos, em palavras paroxítonas:
Ex. Baiuca, bocaiuva, feiura etc.

4) Desaparece o acento agudo no U forte nos grupos gue, gui, que, qui:
Ex. averigue, apazigue, ele argui, enxague etc.


1) agro, ante, anti, arqui, auto, contra, extra, infra, intra, macro, mega, micro, maxi, mini, semi, sobre, supra, tele, ultra:

Quando a palavra seguinte começar com h ou com vogal igual à última do prefixo: Ex. auto-hipnose, auto-observação, anti-herói, anti-imperialista, micro-ondas etc.

Em todos os demais casos: Ex. autorretrato, autossustentável, autoanálise, autocontrole, antirracista, antissocial, antivírus, minidicionário, minissaia, minirreforma, ultrassom etc.

2) hiper, inter, super: quando a palavra seguinte começar com h ou com r:
Ex. super-homem, inter-regional, hiper-real etc.

Em todos os demais casos: hiperinflação, supersônico, internacional etc.

3) Sub: quando a palavra seguinte começa com b, h ou r:
Ex. sub-base, sub-reino, sub-humano etc.

Em todos os demais casos:
Ex. subsecretário, subeditor etc.

4) Vice: sempre com hífen.
Ex. vice-rei, vice-presidente etc.

5) Pan, circum: quando a palavra seguinte começa com h, m, n ou vogais:
Ex. pan-americano, circum-hospitalar etc.

Em todos os demais casos:
Ex. pansexual, circuncisão etc.

Abraços Fraternos,

Paulo Jorge

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016


Aprovado em 1990, pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, o acordo representa a intenção desses países darem um passo significativo para a defesa da unidade da Língua Portuguesa e seu prestígio internacional.

Desde a sua aprovação até 31 de dezembro de 2015, temos um período de transição para as novas regras ortográficas, o que significa que, até essa data, algumas palavras terão a vigência de dupla grafia – idéia / ideia, por exemplo. No entanto, a partir de 1 de Janeiro de 2016, apenas uma forma será aceita, segundo o novo acordo ortográfico.

Nesta semana e na próxima, vamos mostrar as mudanças e efetivações na acentuação e em determinadas grafias de palavras. Comecemos com o que permanece e o que muda em relação à acentuação das palavras.

Bom aproveitamento!
 

I – Regra Geral

Acentuam-se todas as palavras terminadas em:

1) Monossílabos tônicos: (a, as)  Ex. pás, lá, já, dá-lo etc.
(e, es) Ex. mês, sé, ré, pés, vê, tê-lo etc.
(o, os) Ex. pó, pôs, dó, sós, só, pô-lo etc.

2) Oxítonas: (a,as) Ex. marajás, terminará, informá-lo etc.
(e, es) Ex. português, preenchê-los, filé, fazê-lo etc.
(o, os) Ex. dominó, paletós, camelôs, repô-lo  etc.
(em, ens) Ex. também, além, armazéns, porém, parabéns etc.

3) Paroxítonas: (ã, ãs, ão, ãos) Ex. ímã, órfãs, sótão, órgãos etc.
(i, is, us) Ex. júri, cútis, grátis, vírus, bônus etc.
(l, r, n - e seus plurais) Ex. túnel, amáveis, líder, próton, prótons, hífen, pólen etc.

(Obs. Nunca “ens”) Ex. hifens, polens etc.

(x, ps) Ex. dúplex, tórax, fênix, bíceps, fórceps etc.
(um, uns) Ex. álbum, médiuns, fórum, quóruns etc.
(ditongos) Ex. régua, comércio, tênue, supérfluo, diário etc.

4) Proparoxítonas: Todas são acentuadas Ex. álibi, trâmites, última, tímido, metrópole, transatlântico etc.


II – Casos especiais

a) Hiatos: Acentuam-se o I e o U tônicos quando fizerem hiatos com a vogal anterior e estiverem sozinhos na sílaba ou ao lado da letra "s", mas nunca seguidos de “nh”.
Ex. paraíso, saí, caíste, atraí-lo, reúnem, país, países, amiúde, juízes, maiúscula etc.

b) Ditongos abertos em Monossílabos Tônicos e Palavras Oxítonas
(éi, éis) Ex. méis, anéis, papéis, fiéis, cartéis etc.
(éu, éus) Ex. céu, réus, escarcéu, chapéus etc.
(ói, óis) Ex. herói, constrói, corrói, mói, faróis etc.

c) Verbos “Ter / Vir” e seus compostos
Ex. O Brasil tem grandes problemas sociais.
Os países sul-americanos têm grandes problemas sociais.
Essa caixa contém produtos químicos.
Essas caixas contêm produtos químicos.

d) Acento diferencial
pôr (verbo) / por (preposição)
pôde (verbo no pretérito) / pode (verbo no presente)

Abraços Fraternos,

Paulo Jorge

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Viva João Ubaldo Ribeiro!

Vez em quando aparecem no linguajar brasileiro excrescências como “elencar”, “focado”, “tipo assim” e outras de igual naipe. O nascedouro dessas construções tem origem diversa: podem vir, por exemplo, de empréstimos de outras línguas, de novelas e programas de tevês, da oralidade do dia a dia dentre outros. E a sua repetição excessiva pelos falantes e produtores textuais se dá, provavelmente, por uma visão torta de que, ao usar essas construções, o usuário estaria em um contexto interativo superior ao seu oponente. Nada mais enganoso! Na verdade, elas mais empobrecem do que enriquecem o repertório linguístico do seu usuário, pois, se é repertório, como podemos nos mover linguística e diariamente com um número tão reduzido de palavras?!

No texto que hoje postamos, reverenciando um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, o palavrão (fique à vontade para escolher o sentido que melhor lhe convier!) paralimpíadas é o mote para João Ubaldo apontar e disparar sua metralhadora afiada para os adeptos, repetimos, dessas excrescências linguísticas.

Dá-lhe, João!


Paralimpíadas é a mãe

Certamente eu descobriria no Google, mas me deu preguiça de pesquisar e, além disso, não tem importância saber quem inventou essa palavra grotesca, que agora a gente ouve nos noticiários de televisão e lê nos jornais. O surpreendente não é a invenção, pois sempre houve besteiras desse tipo, bastando lembrar os que se empenharam em não jogarmos futebol, mas ludopédio ou podobálio. O impressionante é a quase universalidade da adoção dessa palavra (ainda não vi se ela colou em Portugal, mas tenho dúvidas; os portugueses são bem mais ciosos de nossa língua do que nós), cujo uso parece ter sido objeto de um decreto imperial e faz pensar em por que não classificamos isso imediatamente como uma aberração deseducadora, desnecessária e inaceitável, além de subserviente a ditames saídos não se sabe de que cabeça desmiolada ou que interesse obscuro. Imagino que temos autonomia para isso e, se não temos, deveríamos ter, pois jornal, telejornal e radiojornal implicam deveres sérios em relação à língua. Sua escrita e sua fala são imitadas e tidas como padrão e essa responsabilidade não pode ser encarada de forma leviana.

Que cretinice é essa? Que quer dizer essa palavra, cuja formação não tem nada a ver com nossa língua? Faz muitos e muitos anos, o então ministro do Trabalho, Antônio Magri, usou a palavra "imexível" e foi gozado a torto e a direito, até porque ele não era bem um intelectual e era visto como um alvo fácil. Mas, no neologismo que talvez tenha criado, aplicou perfeitamente as regras de derivação da língua e o vocábulo resultante não está nada "errado", tanto assim que hoje é encontrado em dicionários e tem uso corrente. Já o vi empregado muitas vezes, sem alusão ao ex-ministro. Infutucável, inesculhambável e impaquerável, por exemplo, são palavras que não se acham no dicionário, mas qualquer falante da língua as entende, pois estão dentro do espírito da língua, exprimem bem o que se pretende com seu uso e constituem derivações perfeitamente legítimas.

Por que será que aceitamos sem discutir uma excrescência como "paralimpíada"? Já li alguns protestos na imprensa e na internet, mas a experiência insinua que paralimpíada chegou para ficar e ter seu uso praticamente imposto. Ao contrário dos portugueses, parecemos encarar nossa língua com desprezo e nem sequer pensamos em como, ao abastardá-la e ao subordiná-la a padrões e usos estranhos a ela, vamos aos poucos abdicando até de nossa maneira de ver o mundo e falar dele, nossa maneira de existir. Talvez isso, no pensar de alguns, seja desejável, mas o problema é que, por esse caminho, nunca se chegará à identificação com o colonizador que tanto se admira e inveja, mas, sim, à condição cada vez mais arraigada de colonizado, que recebe tudo de segunda mão, até suas próprias opiniões e valores.

Mas há um pequeno consolo em presenciar esse tipo de vergonheira servil. Consolo meio torto, mas consolo. Refiro-me ao fato de que nossa crescente ignorância não se limita a estropiar nossa língua, mas faz o mesmo com idiomas que consideramos superiores em tudo, como o inglês. Hoje isto caiu em desuso, mas smoking já foi aqui "smocking" durante muito tempo. Assim como doping já foi "dopping". Quanto a este, assinale-se que o som, digamos fechado, do O, em inglês, foi trocado aqui por um som aberto, é o dópin. O mesmo tipo de fenômeno ocorreu com volley, cuja primeira vogal em inglês é aberta, mas em brasinglês é fechada e já entrou no português assim.

No setor de nomes próprios, a vingança é mais completa. Em primeiro lugar, transformamos os sobrenomes deles em prenomes nossos e enchemos o País de jeffersons, washingtons, edisons (aliás, em brasinglês, Edson, como Pelé), lincolns, roosevelts e até mesmo kennedys e nixons. E não perdoamos os contemporâneos. Não só trocamos o H por E em Elizabeth, como até hoje há publicações que se referem a Margareth Thatcher, ou à princesa Margareth. Esse nome nunca teve H no fim, mas aqui é assim não só em muitos jornais quanto no caso de nossas meninas, como atesta o exemplo da minha linda e talentosa conterrânea Margareth Menezes. E das Nathalies que assim foram batizadas em homenagem a Natalie Wood. E dos Phellipes, inspirados no príncipe Philip, das Daianes da Diane, a lista não acaba.

De maneira semelhante, também alteramos não somente a pronúncia, mas as regras gramaticais do inglês. Por exemplo, é quase unânime, entre todos os numerosos militantes do brasinglês, a convicção de que qualquer plural inglês terminado em S deve ter essa letra precedida de um asterisco. Acho que é barbada apostar que, em todas as cidades brasileiras de médias para cima, serão encontrados pelo menos uma placa e cinco cardápios anunciando "Drink's". É mais chique e até o Galeão, não há muito tempo, tinha armários (lockers) de aluguel, encimados pelo letreiro "Locker's", o que fazia os falantes de inglês entender que os armários eram propriedade de um certo Mr. Locker. No Galeão, aliás, gate (portão) já soou como gay tea (chá gay) e shuttle service (ponte aérea) como chateau service (o que lá seja isso). Agora mudou, mas to (para) deu para sair um prolongado tchuu, que, a um ouvido americano, há de soar como uma onomatopeia de espirro ou partida de maria-fumaça.

Mas, até mesmo por causa ("por causa", não, por conta; agora só se diz "por conta", vai ver que vem do inglês on account of) dessas paralimpíadas, receio que as contraofensivas nacionais não serão suficientes para neutralizar a subordinação de nossa cabeça, através do incalculável poder da língua. Acho que, coletivamente, aspiramos a essa subordinação. Tem sido muito lembrado o complexo de vira-lata de que falou Nélson Rodrigues. Pois é, é isso mesmo e é também caminho seguro para sermos vira-latas de verdade.

João Ubaldo Ribeiro
 
O Estado de São Paulo
 
Acesso em: 19 de julho de 2014, às 14h33

Abraços Fraternos!

Paulo Jorge

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Armando Oliveira, o Futebol e o Torcedor

No encerramento da publicação de crônicas que possuem o futebol como tema, convocamos para a “grande final” um jornalista pelo qual nós baianos com mais de trinta temos um imenso carinho e respeito. Armando Oliveira.

Demasiadamente humano, Armando escreveu não apenas sobre futebol, mas também registrou o universo cotidiano de pessoas simples, com rara sensibilidade.

No livro Crônicas de Armando Oliveira, do qual foi retirada a crônica desta semana, Guido Guerra afirma sobre o jornalista: “Fascina-me também, e talvez mais, o universo ficcional que criou nas páginas do Jornal da Bahia, na coluna amenidades, pela qual se transportava da Massaranduba, onde se movimentavam seres extuantes (sic) de vida como Dona Miúda e o compadre, mais o mundo de insinuações que os cercava.

E esse ambiente com seus personagens plenos de humanidade você, Leitor, poderá conferir nesse texto publicado na década de 70, no antigo Jornal da Bahia.

Um show de bola regado com humor e baianidade.

Ótima leitura!


A tragédia tricolor

A barra, no famoso solar de Massaranduba, anda mais pra Lúcifer que pra Irmã Dulce.
Desde a noite do último domingo que Antônio Bispo ingressou numa mudez de deixar o Dr. Falcão com inveja, só abre a boca pra comer e, assim mesmo, sem aquela voracidade habitual.
Dona Miúda, coitada, embora sabedora das causas que levaram o compadre a arriar todos os pneus, cair na fossa, entrar numa de horror, teme puxar conversa, ainda mais que não dispõe de argumentos muito consoladores.
Ontem, porém, a loquacidade feminina fez-se intolerável e ela, após três tossidelas de advertência, resolveu cutucar a fera com vara curta:
– Se ficar calado resolvesse alguma coisa, Deus não fazia a gente nascer com língua!
– Hum!
– Eu sei que foi 1x1, deu no jornal, no rádio e na televisão, não precisa você ficar se martirizando...
– Em quem falou em desgraça de futebol aqui, diga?
– Então eu não sei esta tromba toda é por causa do Bahia!
– Acho bom a senhora não mexer com quem está no seu quieto, por favor, tá bem!
– Engraçado, quando o Ypiranga do finado perde, você fica dando risada, não respeita nem a memória do falecido...
– Que comparação mais besta, comadre, tenha paciência!
– Esse povo do Bahia é muito cheio de nove horas, ganha quase todo dia e não suporta nem empatar...
– Isso é problema nosso, não interessa a ninguém!
– Peraí, não engrossa não, que eu também parto pra ignorância!
– Será que a senhora não compreende a minha dor, não respeita a minha mágoa, não entende o meu drama?
– Eu, hein, esconjuro!
– A senhora sabe o que é cem mil pessoas preparando uma festa e, no fim, dar jegue!
– É, mas quando a Seleção perdeu a Copa, você quase nem ligou...
– E a senhora quer comparar aquela Seleção fajuta com o glorioso Esporte Clube Bahia?
– Fala baixo, homem, cuidado que essas palavras pode dar bode!
– Pode nada, comadre, depois do que aconteceu domingo, desgraça pouca eu tiro de letra!
– Mas não disse que o Bahia fez uma boa campanha, deu no rádio?
– Foi o doutor Paulo Virgílio Maracajá Pereira quem falou isto.
– Quem?
– O doutor Maracajá, aquele que fala em quatro rádios e duas televisões ao mesmo tempo...
– Misericórdia!
– Segunda-feira eu não tive coragem de ouvir rádio, o sofrimento era demais...
– Deve ter sido ele, foi um com uma voz de lamentação que me deu pena...
– Não me conformo, comadre, a gente ser desclassificado por um time que tinha até Vanuza!
– E ela não tava de barriga?
– Um time cheio de mutreta, disse que o presidente deles meteu a mão no dinheiro, uma vergonha!
– E o Bahia não vai protestar?
– Sei lá, comadre, parece que nossa diretoria não suporta ouvir falar nesta palavra “protesto”...
– Por que será, hein?
– Antigamente a gente partia firme pro “tapetão” e ganhava todas!
– Disse que o Leão deu uma dentada no Beijoca, foi verdade?
– Pois é, mordeu o nosso ídolo no joelho, mas lá na Argentina ele não dividia uma!
– Valha-me Deus!
– E ainda me arranjaram um juiz estrangeiro, com um nome danado de complicado, parece que é até alemão!
– O mal é esse compadre, chegam esses gringos não sei de onde e fazem o que querem aqui na Bahia!
– Ninguém toma uma providência e fica tudo por isso mesmo!
– O negócio agora, como disse o homem da rádio, é sair pra outra!
– É, mas este negócio de “sair pra outra” parece até desculpa da torcida do Vitória...

Crônicas de Armando Oliveira, págs. 88 - 90.
EGBA / Governo do Estado da Bahia. 2006.

Abraços Fraternos,

Paulo Jorge

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016



Xico Sá, o futebol e as mulheres

Dentre os recursos gramaticais e literários utilizados por Xico Sá em seus textos, talvez a intertextualidade seja aquela que o escritor utiliza com maior riqueza e abundância. As referências a times de futebol, jogadores, poetas, escritores e músicos brasileiros dentre outros são frequentes em suas crônicas esportivas, evidenciando o vasto repertório cultural do escritor cearense.

Xico Sá começou sua carreira no Recife e atualmente é colunista esportivo do jornal Folha de S. Paulo. Eventualmente, participa como um dos apresentadores do time masculino do Saia justa, do GNT, programa de debates sobre temas da atualidade do canal fechado.

Nesta crônica - Mais mulher no estádio -, publicada na Folha de S. Paulo, em 5 de abril de 2014, Xico alia o futebol a outro tema que lhe é bastante caro, a mulher.

Ótima leitura!
 

Mais mulher no estádio

Amigo torcedor, amigo secador, "apenas" 26% acham que roupa justifica ataque a mulher. Noves fora o erro do Ipea, arrisco, sem carecer qualquer enquete, que nos estádios de futebol esse número de porcos chauvinistas (nada contigo, caro palmeirense!) ultrapassa os 65% anteriormente divulgado pelo instituto de pesquisa do governo.

Quando a mulher não está acompanhada do marido ou namorado, nossa madre, as agressões remetem aos marmanjossauros de caverna. Short curto, mesmo no purgatório da beleza e do caos de um verão carioca, é risco de vida. Ao ponto de blogs sobre comportamento feminino aconselharem trajes quase clericais às torcedoras que vão a campo.

Por estas e por outras a presença da mulher nas arquibancadas é ainda tão pequena, mesmo com o aumento nas últimas décadas. Uma pena. Além de dar uma suavizada naquele desagradável ambiente macho, a participação feminina poderia até mesmo reduzir a violência dos doentes. Se o cara vai ao estádio com a mãe, a mulher, a namorada etc., naturalmente fica mais manso, menos atraído pela selvageria. Acredito.

Nada mais comovente do que uma mulher com febre de bola. Como uma botafoguense que vi na noite de quarta-feira no Rio de Janeiro. Ela chegava ao Galeto Sats, o melhor fim de noite de Copacabana, depois de uma jornada infeliz do alvinegro no Maraca. Triste, solitária e final, como no título do romance bueníssimo do craque argentino Osvaldo Soriano.

Vestida conforme os manuais, para se proteger da falta de civilidade do "país cordial", a estrela solitária -calça jeans e camiseta vintage do Fogão- ainda teve que encarar a euforia dos flamenguistas. Tudo bem, é frequentadora do bar, estava entre amigos. O que quero exaltar é a beleza da cena. Ela trazia do Maraca toda a melancolia que só um botafoguense carrega. Se a vida dói, drinque caubói. Sim, ela pediu uma vodka para espantar os males da angústia futebolística.

Alegre, como as rubro-negras naquela mesma taberna, ou abatidas pela derrota, nada mais bonito do que uma mulher com passionalidade clubística. Por mais mulheres nos estádios. Por mais "sãopaulindas", no dizer dos tricolores, por mais sereias santistas, mais corintianas como a minha colossal enfermeira do Ipiranga, mais ragazze palestrinas...

Por mais marias bonitas e dadás (a mulher de Corisco) na Lampions League, o campeonato mais emocionante do país. E olhe que muitas mulheres foram à Ilha do Retiro neste Sport 2x0 Ceará. Só a Lampíons salva o nosso futebol. Perto desse torneio do Nordeste a Libertadores da América parece jogo de comadres. Que duelo de renegados. Como na bela crônica de Thalles Gomes para o blog "Impedimento", no primeiro jogo da final da Copa do Nordeste, a glória brotou da inhaca. Futebol ao melhor estilo "onde os fracos não têm vez".

Xico Sá
Abraços Fraternos!

Paulo Jorge

domingo, 10 de janeiro de 2016

Luis Fernando Veríssimo, o futebol e a família


A crônica esportiva desta semana possui a autoria de um torcedor fanático pelo futebol e pelo Sport Club Internacional, de Porto Alegre.

Exímio observador, Veríssimo investiga em suas crônicas o comportamento da sociedade brasileira, a partir da presença recorrente do núcleo familiar, normalmente composto por um pai, uma mãe e um filho / filha, como pode ser visto em Sexa, Férias, Festa de criança, As mentiras que os homens contam dentre outras histórias.

Atualmente, o escritor gaúcho mantém uma coluna diária no jornal O Globo e, às vezes, escreve textos de humor para programas humorísticos da TV Globo.

Na crônica que reproduzimos hoje - Aquela bola -, o cronista traz de novo o núcleo familiar desta vez inserido em um contexto de futebol. Observe que, ao narrar uma cena capital de um jogo de futebol ocorrido entre filho do narrador e os colegas, Veríssimo faz uma crítica ao comportamento social do brasileiro, acrescente a isso, a sempre presente diversão com a Gramática da Língua Portuguesa.

Ótima leitura!
 

Aquela bola

Na volta do jogo, o pai dirigindo o carro, a mãe ao seu lado, o garoto no banco de trás, ninguém dizia nada. Finalmente o pai não se aguentou e falou:

– Você não podia ter perdido aquela bola, Rogério.

– Luiz Otávio… – começou a dizer a mãe, mas o pai continuou:

– Foi a bola do jogo. Você não dividiu, perdeu a bola e eles fizeram o gol.

– Deixa o menino, Luiz Otávio.

– Não. Deixa o menino não. Ele tem que aprender que, numa bola dividida como aquela, se entra pra rachar. O outro, o loirinho, que é do mesmo tamanho dele, dividiu, ficou com a bola, fez o passe para o gol e eles ganharam o jogo.

– O loirinho se chama Rubem. É o melhor amigo dele.

– Não interessa, Margarete. Nessas horas não tem amigo. Em bola dividida, não existe amigo.

– E se ele machucasse o Rubem?

– E se machucasse? O Rubem teve medo de machucar ele? Não teve. Entrou mais decidido do que ele na bola, ficou com ela e eles ganharam o jogo.

– Você está dizendo para o seu filho que é mais importante ficar com a bola do que não machucar um amigo?

– Estou dizendo que em bola dividida ganha quem entra com mais decisão. Amigo ou não.

– Vale rachar a canela de um amigo pra ficar com a bola?

– Vale entrar com firmeza, só isso. Pé de ferro. Doa a quem doer.

– É apenas futebol, Luiz Otávio.

– Aí é que você se engana. Não é apenas futebol. É a vida. Ele tem que aprender que na vida dele haverão várias ocasiões em que ele terá que dividir a bola pra rachar e…

– Haverá – disse Rogério, no banco de trás.

– O quê?

– Acho que não é “haverão”. É “haverá”. O verbo haver não…

– Ah, agora estão corrigindo meu português. Muito bem! Eu não sou apenas o pai insensível, que quer ver o filho quebrando pernas pra vencer na vida. Também não sei gramática.

– Luiz Otávio…

– Pois fiquem sabendo que o que se aprende na vida é muito mais importante do que o que se aprende na escola. Está me ouvindo, Rogério? Um dia você ainda vai agradecer ao seu pai por ter lhe ensinado que na vida vence quem entra nas divididas pra valer.

– Como você, Luiz Otávio?

– O quê?

– Você dividiu muitas bolas pra subir na vida, Luiz Otávio? Não parece, porque não subiu.

– Ora, Margarete…

– Conta pro Rogério em quantas divididas você entrou na sua vida. Conta por que o Simão acabou chefe da sua seção enquanto você continuou onde estava. Conta!

– Margarete…

– Conta!

– Eu estava falando em tese…

Luis Fernando Veríssimo
Abraços Fraternos,

Paulo Jorge

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Armando Nogueira, o futebol e a sociedade


A postagem desta semana traz outro craque da crônica esportiva brasileira. Armando Nogueira, contemporâneo de Nelson Rodrigues, assim como este, construiu sua obra literária com estilo ao mesmo tempo simples e refinado. Um olhar político e diferenciado que transcendia os limites do ambiente esportivo, pois, ao analisar uma partida de futebol, o cronista analisava o Brasil.

Mas se em Nelson Rodrigues a veia política se mostra ferina e corrosiva; em Armando Nogueira, ela advém do inusitado, do inesperado da situação esportiva. E com um refinamento humorístico que não deixou herdeiros na crônica esportiva brasileira.

O justo é um texto antológico.

Ótima leitura!


O justo

O treinador reuniu a turma no vestiário e escalou doze: onze e o goleiro. O capitão do time estranhou, avisando que havia gente demais. O técnico, porém, sustentou a escalação:

— Isso é problema do juiz, o teu é jogar e tentar ganhar a partida.

E lá se foi o time para o campo.

Cinco minutos de jogo, a torcida começou a gritar, alertando o árbitro: “O Pipira tem doze!”. O árbitro interrompeu a partida, contou os times e deu uma bronca no capitão, que, por sua vez, passou a bola ao treinador:

— Fala co’ home ali.

O juiz foi ao técnico e mandou retirar o excedente. Uma confusão tremenda na pista. O técnico chamou o árbitro para uma conversa em particular. Saíram os dois na direção do centro do campo. A torcida, aos berros, descompunha todo o mundo pelo atraso.

Os dois isolados no grande círculo, o técnico pôs a mão no ombro do juiz e entrou nas explicações:

— O problema é o seguinte: eu sou um homem de cinquenta anos, estreando na profissão. Eu sou novo aqui na terra. Acontece que, hoje de manhã, o presidente do clube me deu um bocado de nome pra pôr no time. Dois são protegidos do delegado, quatro do comandante do destacamento, o goleiro é filho do gerente do banco, o presidente diz que os dois pontas-de-lança têm que jogar de qualquer maneira. Eu fui escalando, escalando...

— É, mas passou da conta — diz o árbitro, inflexível.

— E eu não sei que passou? Ia ser mais. Por sorte, o sobrinho do prefeito amanheceu com o pé inchado e pediu ao tio para não jogar. Se não, entravam treze.

— Bom, mas para começar o jogo, o senhor tem que tirar logo um... — diz o juiz.

— Eu tirar um? Deus me livre. Tire o senhor. Por mim o time joga com doze. Se o senhor está dificultando, vai lá o senhor e tira um, escolhe lá um. O mais que eu posso fazer é colaborar com o senhor. Por exemplo, não tire nem o cinco nem o seis, que dá bolo com o chefe de polícia. E o pior é que agora eu já confundi tudo: não sei mais se o oito é gente do comandante do destacamento ou se é o filho do gerente do banco...

O árbitro encarou o técnico do Pipira, enfiou o apito no bolso e saiu como uma fera:

— Doze contra, comigo, não. Doze contra onze, só se me expulsarem da Liga.

Parou diante do banco dos reservas do Serrinha F. C. e dirigiu-se ao técnico, sentencioso como nunca:

— Carvalho, bota mais um dos teus homens em campo, Carvalho. Eu tenho horror a injustiça.

Armando Nogueira. www@filologia.org.br

Abraços Fraternos!

Paulo Jorge